S106
Notas de Investigação
Na última década, nos países africanos de língua
portuguesa,comonoutrospaísesdeÁfrica,a investigação
em saúde aumentou consideravelmente e, em resposta,
foram estabelecidos comités de ética em saúde ao nível
das universidades, centros de investigação, hospitais e
ministérios da saúde. Este crescimento na investigação
deveu-se entre outros, ao fortalecimento dos recursos
humanos em saúde, consubstanciado com um aumento
considerável de alunos formados nas áreas da saúde e
com a criação de novas faculdades de medicina [1].
Com o crescente volume de projetos de investigação,
os Comités de Ética ficam muitas vezes transbordados
de trabalho, sem conseguir responder atempadamente
aos pedidos dos investigadores. Os principais desafios
enfrentados pelos países africanos de língua portuguesa
são os já identificados para outros países de África:
falta de recursos, legislação escassa, membros dos
comités de ética com pouca formação, conhecimento
limitado sobre as principais diretrizes nestas áreas e
falta de formação em geral sobre bioética e ética em
investigação [2]. Um dos principais desafios é como
fortalecer os comités de ética para a saúde, para que
estes possam responder de forma eficiente a esta procura
e simultaneamente assegurar o nível internacional.
Kirigia [3] salienta o papel crítico dos comités de ética
ao referir que “na era atual da pesquisa globalizada, a
boa administração ética exige que todos os países,
independentemente do seu nível de desenvolvimento
económico, deveriam ter um sistema de revisão ética
de protocolos de investigação que seja funcional para
proteger a dignidade, integridade e segurança da saúde
de todos os cidadãos que participam no estudo “.
Neste contexto, os comités de ética em saúde
desempenham um papel fundamental na sociedade,
uma vez que seu principal papel é salvaguardar a
dignidade, os direitos, a segurança e o bem-estar de
todos seres humanos que participam na investigação.
[3,4]. No entanto, devido à falta de recursos, o
fortalecimento dos comités de ética é financiado através
de fundos externos. Alguns programas importantes
de fortalecimento de capacidades em África são, por
exemplo, o Projeto de Desenvolvimento de Capacidade
de Ética de Pesquisa em Saúde da AMANET, o FoCEP-
Mozambique Collaborative Research Ethics Education
Program, financiado pelo NIH e o EDCTP – a Parceria
entre a Europa e os Países em Desenvolvimento para a
Realização de Ensaios Clínicos
Entre 2005 e 2016 a parceria EDCTP financiou 74
projetos de ética em África, através de diferentes tipos de
bolsas com o intuito final de apoiar a formação em ética
na investigação e reforçar as capacidades dos comités
de ética. Uma análise cuidada destes dados permite
concluir que apenas 2 destes 74 projetos tiveram como
beneficiários países de língua portuguesa [5].
Atualmente os países africanos de língua portuguesa
continuam defrontados com uma escassez de recursos
humanos formados na área da ética em investigação.
Uma das principais barreiras enfrentadas pelos
investigadores da lusofonia é a língua, uma vez que
os principais recursos educacionais de ética estão
disponíveis em inglês; por exemplo, o Programa de
Formação de Bioética da Johns Hopkins-Fogarty, e
Programa Internacional de Formação de Ética em
Pesquisa da Universidade de Toronto são lecionados na
sua totalidade em inglês [2]. Uma exceção é o programa
on-line TRREE de ética em investigação, onde alguns
conteúdos são traduzidos para português, mas não
necessariamente adaptados ao contexto da legislação
destes países. Por outro lado, o Comité Nacional de
Ética para a Investigação Clínica (CEIC) de Portugal
disponibiliza recursos educacionais de bioética em
português, mas principalmente adaptado à legislação
portuguesa e da União Europeia (EU).
Tendo em conta esta realidade, os países de língua
portuguesa têm vindo a estabelecer várias iniciativas em
que os comités de ética em saúde se comprometem a
trabalhar em rede numa colaboração sul-sul, espelhadas
nomeadamente na Declaração de Malanje, assinada em
Março de 2016. Esta declaração resultou da conferência
internacional de 2016 intitulada “Ética em Pesquisa
Científica: primeiro passo para a cooperação sul-sul”
que reuniu universitários e pesquisadores em bioética de
Angola, Moçambique, Brasil e Cuba. Nesta declaração,
os seus signatários comprometeram-se a estabelecer
uma rede regional de bioética de investigadores,
académicos e instituições, primeiramente entre
Angola e Moçambique e, posteriormente, expandir a
rede para outros países subsaarianos, promovendo o
desenvolvimento de atividades científicas conjuntas e
programas de formação em bioética (nomeadamente
através de subvenções).
No final de 2016, a Carta de Moçambique veio reforçar
estas iniciativas, manifestando a firme convicção de
que uma cooperação sul-sul em bioética é um objetivo
fundamental, que pode levar a projetos comuns,
encontros e acordos sobre ações conjuntas de todas as
partes interessadas de países dispostos a cooperar para
resolver problemas comuns.
Estas iniciativas foram encorajadas, nomeadamente pelo
atual Presidente da CNBS- Comité Nacional de Bioética
para a Saúde de Moçambique, que tem colaborado
como orador convidado em diversas palestras no espaço
lusófono, nomeadamente no Instituto de Higiene e
Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de
Lisboa.
Existindo a possibilidade de uma aliança norte-sul, para
complementar a ambicionada rede sul-sul, diversos
parceiros lusófonos elaboraram um projeto de reforço