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dermos as peças ceroplásticas. O Hôpital Saint-Louis, como

vimos, reúne enorme coleção de peças ceroplásticas de der-

matologia. Em suas prováveis visitas à França, Aguiar Pupo

conheceu essas peças e trouxe a ideia de montar um acervo

próprio, priorizando a nosografia nacional. Há escassos re-

gistros dos usos dessas peças, mas supomos que eram utili-

zadas mormente em sala de aula. Apenas mais tarde elas se

tornaram objetos de exposição.

A ceroplastia na medicina legal

O primeiro titular da cadeira de medicina legal da Faculdade

de Medicina de São Paulo foi o médico baiano Oscar Frei-

re de Carvalho, profundamente influenciado pelas ideias de

Raimundo Nina Rodrigues, expoente da medicina legal na

Faculdade de Medicina da Bahia [10]. As atividades da cáte-

dra de medicina legal em São Paulo se iniciaram em 1918

e, paralelamente, Freire esforçou-se para construir o campo

dessa disciplina por meio da fundação, em 1921, da Socie-

dade de Medicina Legal e Criminologia. A sociedade orga-

nizou conferências sobre a medicina legal, além de publicar

a revista

Archivos da Sociedade Medicina Legal e Criminologia de

São Paulo

, entre 1922 e 1959.

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Freire faleceu em 1923 e a

cátedra foi assumida por seu discípulo Flaminio Favero, que

levou adiante a tarefa de consolidar o ensino e a pesquisa no

campo da medicina legal paulista.

A medicina legal do período era bastante compreensiva,

como indica Ferla [11].Tratava de temas variados, tais como

identificação médico-legal e identificação judiciária, tanato-

logia, traumatologia, noções de polícia técnica, criminolo-

gia, hematologia, infortunística (que trata dos acidentes de

trabalho), sexologia, medicina profissional e deontologia (ou

ética médica). Favero vai encampá-los de tal maneira que

acreditamos ser possível falar em um “programa” para me-

dicina legal. Em sua extensa obra, tais temas estarão sempre

presentes, sobretudo em

Medicina Legal

, livro-texto escrito

para ser usado no ensino da cadeira de medicina legal, publi-

cado pela primeira vez em 1938.

Podemos constatar a pretensão de Favero em fazer da me-

dicina legal uma “ciência moral”, ou seja, de proporcionar

orientações para o comportamento de modo a evitar a ano-

mia [12]. Isso se faz patente em seu tratado:

“É inegável que esta disciplina, dentro principalmen-

te do subsídio dos conhecimentos médicos, embora já

incorpore outros, tem finalidade mais extensa, mais

vasta, de ação social.Assim, não mais atua, apenas, no

esclarecimento de certas questões de processo civil

ou criminal, nem tampouco, somente em aplicações

forenses. Hoje a medicina legal age ou deve agir pela

aplicação dos conhecimentos médicos biológicos na elabo-

ração e execução de leis que deles carecem

.” [13]. (Fávero,

1958, p. 10, grifos do autor)

Mais ainda, Favero que buscava legitimar a sua área, argu-

mentando sobre a importância da medicina legal para outras

áreas médicas e não médicas, tais como a higiene e o direito,

e sua afinidade com as novas tecnologias [4]. Dizia ele:

"À medicina não compete apenas estudar as moléstias

em todas as suas modalidades e estabelecer os diver-

sos processos terapêuticos, orientando-os de molde a

restituir ao doente, indivíduo, a saúde perdida, como

realiza ou deseja realizar a

medicina curativa

. Incumbe-

-lhe também prevenir os agravos à saúde do indivíduo

isolado e principalmente dos indivíduos em conjun-

to, constituídos agrupamentos, esclarecendo os ad-

ministradores públicos nos problemas de proteção à

saúde, mister da

higiene

, e, finalmente, a missão de

orientar os legisladores e magistrados na elaboração

e aplicação das leis civis e penais do meio coletivo,

como faz a

medicina legal

." (grifos do autor). (Fávero,

1938: 13 apud Mota e Schraiber, 2009: 354) [4].

Vemos que havia a genuína preocupação com a definição do

“conteúdo original” da medicina legal, ou seja, o conheci-

mento e as questões próprias da disciplina, que não deveriam

ser objeto das demais especialidades. Ao mesmo tempo que

se batia pela delimitação do campo médico-legal, Fávero de-

fendia a importância da presença da medicina legal no cur-

rículo médico, com obrigatoriedade de ensino para todos os

alunos. Segundo ele, “todo médico tem a obrigação de ser

perito (...)”[14]. O trabalho de perícia era uma das chaves

definidoras da medicina legal e deveria ser exercido não ape-

nas nos casos criminais, mas também nos de acidentes de

trabalho. Para Fávero, a medicina legal era perícia. Por isso

teria nascido e se desenvolvido.

Influenciada decisivamente pela biotipologia lombrosiana, a

medicina legal reivindicava o “direito de examinar”. Seguia-

-se o preceito de que o ato antissocial era uma doença e cabia

ao exame médico identificar, tratar e prevenir tal patologia

[15]. Mas havia mais: o “direito de examinar” ligava-se ao tra-

balho de consolidação da especialidade, o que seria mais fácil

se seus objetos e atribuições estivessem claramente defini-

dos. Assim, o trabalho de perícia deveria pertencer exclu-

sivamente ao perito médico-legal, posição defendida firme-

mente por Flaminio Favero.

Essa preocupação com o rigor do trabalho pericial, aliado

ao uso das técnicas laboratoriais, aponta para uma medicina

legal que caminhava para a profissionalização e buscava obter

reconhecimento através da demonstração de sua capacidade

técnico-científica. Como assinala Antunes [12], a medicina

legal abandonou paulatinamente os “factos morais” e a aten-

ção dos médicos-legistas voltou-se para os aspetos técnicos

das perícias.

As peças em cera produzidas por Augusto Esteves compu-

seram essa estratégia de fortalecimento técnico da atividade

pericial e de delimitação dos objetos e métodos de inter-

Doenças, agentes patogénicos, atores, instituições e visões da medicina tropical