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A n a i s d o I HM T

assalariado torna-se comum e aprofunda-se a discussão sobre

as especialidades médicas [4].

Há o confronto entre a “nova” e a “velha” medicina: os novos

médicos teriam esquecido o passado heróico da profissão e

seus problemas fundamentais. Outra disputa teria se dado

entre “antigos generalistas” e os “novos especialistas”. Como

mostram Mota e Schraiber [4], ela “explicitava as mudanças

de um profissional de conhecimento integral ao novo profis-

sional, mais técnico e específico, apto às demandas tecno-as-

sistenciais de acesso à assistência médica nos centros urbanos

e rurais e com novas formas de produção social de serviços”.

O Estado incorporava paulatinamente o trabalho

médico.As

áreas médicas lutavam para definir sua autonomia e seus ob-

jetos de intervenção. Segundo Gabriela Marinho [5], no caso

de São Paulo, a especialidade foi a exigência para possibilitar

políticas no campo da pesquisa, da clínica e das organizações

profiláticas, que demandavam profissionais para questões es-

pecíficas.

Foi nessas circunstâncias que surgiu a ceroplastia na Facul-

dade de Medicina da Universidade de São Paulo, sob os aus-

pícios dos professores João de Aguiar Pupo (1890-1980) e

Flaminio Favero (1895-1982), que comandavam, respetiva-

mente, as cátedras de dermatologia e sifiligrafia e medicina

legal. O encarregado pela confeção das peças foi Augusto Es-

teves (1891-1966), artista quase autodidata cuja carreira de

modelador se iniciou comVital Brazil no Instituto Butantan,

em 1912.

3

Ele também havia trabalhado como desenhista e

ilustrador no Instituto Pinheiros, em São Paulo.

O contrato de Esteves começou em 1934 e ele ocupou uma

sala na Santa Casa de Misericórdia, onde Aguiar Pupo tam-

bém clinicava. Na clínica dermatológica, Esteves produziu

cerca de 259 peças representando doenças de pele. [6]. Em

1937, o artista foi admitido no Instituto Oscar Freire por

Flaminio Favero. Para a cátedra de medicina legal, fez cerca

de 90 peças, além de inúmeros desenhos e planchas usadas

em livros e aulas dos professores [6].

A ceroplastia na dermatologia

Nos anos 1930, a dermatologia e a medicina legal eram ca-

deiras relativamente recentes e lutavam para obter seu re-

conhecimento e definir seus objetos e campos de atuação.

A cátedra de Clínica Dermatológica e Sifiligrafia teve a sua

primeira aula ministrada pelo professor Adolpho Carlos Lin-

denberg, em 26 de fevereiro de 1916. O médico dirigia, des-

de 1907, o Serviço de Moléstias da pele da Santa Casa de São

Paulo [7]. Em 1929, Aguiar Pupo assumiu a cátedra, após

passar pelas cadeiras de Química Médica eTerapia. É impor-

tante destacar que à dermatologia agregava-se a sifiligrafia,

ocupada em estudar a sífilis, doença venérea cujas manifesta-

ções cutâneas a tornavam alvo das atenções dos médicos que

tratavam as afeções da pele.

Aguiar Pupo também se especializou no estudo da hanse-

níase e do pênfigo foliáceo, também conhecido como “fogo

selvagem”, doença autoimune que provoca lesões dolorosas

na pele de todo corpo.Augusto Esteves também produziu 21

peças representando tal afeção, hoje sob guarda do Museu

Emílio Ribas, em São Paulo.

Não se sabe exatamente de quem foi a iniciativa de se produ-

zir as peças em cera. No acervo do Museu Histórico da Facul-

dade de Medicina da Universidade de São Paulo encontra-se

uma carta deAguiar Pupo dirigida ao médico dermatologista

francês Ferdinad-Jean Darier, chefe do departamento clínico

do Hôpital Saint-Louis entre 1909 e 1922, onde se encontra

uma das mais importantes coleções ceroplásticas da Europa.

Datada de 12 de julho de 1929, a carta sugere que os dois

médicos se conheciam há algum tempo. Na carta, o médico

francês é chamado por Pupo de “mestre”. De facto, Darier

é considerado um dos nomes mais importantes da derma-

tologia francesa. Ele identificou a queratose folicular, afe-

ção cutânea que ficou conhecida como “Doença de Darier”.

Além disso, escreveu o

Précis de dermatologie

[8], livro-texto

publicado originalmente em 1909, que se tornou referência

para os estudiosos da especialidade.

Alguns trechos da carta de Pupo a Darier revela a provável

filiação intelectual de Pupo à escola de dermatologia do Hô-

pital Saint-Louis. No primeiro deles, a admiração por Darier

e pelo Saint-Louis é evidente:

Vossa Individualidade, cujo brilho eleva a celebridade da

tradicional escola do Hôpital Saint-Louis constitui uma

preciosa fonte de saber, que todos nós admiramos, em meio a

numerosos trabalhos científicos com os quais o senhor contri-

buiu para o progresso da medicina universal

. [9]

Em seguida, faz referência à descoberta da doença que rece-

beu o nome do dermatologista francês e aos muitos trabalhos

científicos por ele publicados, exaltando a sua obra principal, o

Précis de dermatologie

, “livro espetacular que nós manipulamos,

que nós lemos diariamente em nossas escolas de medicina”.

Por fim, fica evidente a admiração pela ciência francesa:

Eu me sirvo da oportunidade, caro e distinto mestre, para tra-

duzir os sentimentos de amizade e admiração que, nós brasi-

leiros,consagramos a vossa pátria,a França imortal e gloriosa

pelos feitos de sua poderosa intelectualidade latina.

[9]

A relação entre Pupo e Darier fornece a pista para enten-

2 - Entre os pontos mais importantes desse modelo, pode-se destacar: a limitação

do número de alunos por turma, ensino em tempo integral, a organização das dis-

ciplinas em departamentos e a vinculação do ensino clínico à estrutura do hospital

escola.

3- Seu trabalho no Butantan consistia em produzir desenhos (ilustrou o livro de

Vital Brasil,

A defesa conta o ofidismo

) e moldes de cobras em cera. Insatisfeito com

os modelos importados da Alemanha, considerados imperfeitos e frágeis, Brazil in-

cumbiu Esteves de moldar as peças a serem usadas em ensino e pesquisa. Esteves

casou-se com Alvarina, filha de Vital Brazil, em 1920, e seguiu o cientista quando

este deixou o instituto Butantan e fundou o Instituto Vital Brasil em Niterói, Rio

de Janeiro.