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Introdução
Após o encerramento do Programa Global de Erradicação
da Malária da OMS em 1969, houve redução drástica nos or-
çamentos para ações contra a malária, o que deixou os países
em desenvolvimento mais vulneráveis à doença. Num perío-
do de paz entre as grandes potências, havia pouco interesse
dos financiadores ligados à OMS e aos governos em manter
programas intensivos e caros no controle dela [1,2].
Em 1975 a OMS elaborou um relatório que segundo Cueto
[3] iria consolidar a ideia da atenção primária à saúde, além
de identificar as necessidades básicas de saúde da população,
analisar modelos de vários países em desenvolvimento, bus-
cando fatores chaves de sucesso.A ideia crucial era de buscar
uma alternativa de saúde pública aos modelos postos na prá-
tica até então [3].
Com a inclusão da China como país membro da OMS, ga-
nhou projeção seu modelo de atenção à saúde “pés descal-
ços”, que tinha também como estratégia a prevenção jun-
to à população rural, combinando a medicina tradicional
(Medicina Tradicional Chinesa - MTC) com a biomedicina
[3].
Em 1979, foi publicada a Declaração de Alma-Ata, baseada
na Conferência Internacional de Atenção Primária à Saúde,
ocorrida na URSS, e promovida pela OMS. Esta conferên-
cia foi um marco na reorientação nas políticas de saúde
pública e nas relações entre a biomedicina e os sistemas
tradicionais de conhecimento. Esse documento tornava pú-
blico o objetivo da OMS de garantir a saúde a toda popu-
lação até ao ano 2000, por via da atenção primária à saúde,
e pelo estímulo às ações locais [4]. As práticas tradicionais
foram reconhecidas como importantes para resguardar a
saúde de povos, como suplementar ou alternativa, tanto
por questões culturais como pela dificuldade de acesso a
ações de saúde “científica” e “tecnológica”, por parte signi-
ficativa de população rural, principalmente em países em
desenvolvimento [4].
Por outro lado, o interesse despertado pela descoberta por
pesquisadores chineses da artemisinina e seus derivados -
artemeter e artesunato
1
– como drogas antimaláricas que
poderiam substituir as drogas as quais o
Plasmodium
se tor-
nara resistente, colocou em evidência o potencial científico
e mercadológico das plantas medicinais associadas a co-
nhecimentos tradicionais. O medicamento herbal não era
interessante somente sob a perspetiva da atenção primária
à saúde. Gradualmente, aspetos relacionados à Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) de novas drogas foram agregados
às resoluções da OMS, em consonância com critérios da
ciência moderna e da produção laboratorial.
Em 1982 foi realizado em Beijing, China, o 4
o
encontro do
Grupo de Trabalho em Quimioterapia da Malária (
Working
Group on the Chemotherapy of Malaria
), apoiado pela Nações
Unidas, OMS/TDR (
Special Programme for Research and Trai-
ning inTropical Diseases
) e Banco Mundial, onde foram apre-
sentados diversos trabalhos de P&D em artemisinina como
um novo antimalárico. Neste momento, foram propostas
parcerias entre instituições internacionais e chinesas, para
dar seguimento conjunto nas pesquisas da nova droga.
Aos chineses interessava participar com mais relevância
do jogo político-comercial internacional pois buscava um
forte redirecionamento para desenvolvimento científico-
-tecnológico que pudesse dialogar com o mercado inter-
nacional.
No que diz respeito ao Brasil, o país seguiu as prescrições
da Organização Mundial de Saúde para países em desen-
volvimento, privilegiando questões relacionadas ao acesso
aos medicamentos e às ações de atenção primária à saúde.
As iniciativas no campo de P&D de medicamentos nos anos
1980 voltou-se para a investigação de plantas brasileiras
com base no uso popular, desenvolvido pelo projeto CEME
- Central Única de Medicamentos (1971-1997). Esta últi-
ma linha de pesquisa foi claramente influenciada por Alma-
-Ata, e pelo sucesso das pesquisas chinesas, fundamentadas
em sua medicina tradicional, a respeito do antimalárico
artemisinina.
Em 25 de março de 1982, foi assinado um grande Acordo
de Cooperação Científica e Tecnológica entre o governos
da China e Brasil [5].Tal acordo estava alinhado com o mo-
vimento de reestruturação na política internacional daque-
le país desde fins da décadas de 1970 e com o movimento
de países ocidentais em direção à China.
Cinco anos após o acordo Brasil-China ser firmado, a mis-
são científica formada pelo farmacologista do IOC/Fio-
cruz Renato Cordeiro, o parasitologista do René Rachou/
Fiocruz, Naftale Katz, e o chefe da Assessoria de Coope-
ração Internacional da Fiocruz, Pedro Thomé de Arruda
Filho visitou alguns centros de pesquisa da China em junho
de 1987, com objetivo de investigar possibilidades de futu-
ras parcerias científicas [6].
Segundo o relatório dessa missão, foram visitadas diver-
sas instituições, entre elas, o Instituto de Matéria Médica,
Institutos de Bioquímica e de Fisiologia, e o Instituto de
Doenças Parasitárias, em Xangai, o Instituto de Medici-
na Tradicional da China, Instituto de Matéria Médica e a
Faculdade de Medicina Tradicional Chinesa, em Beijing, e
a Faculdade e Hospital de Medicina Tradicional Chinesa,
Estação de Saúde e Controle Antiepidémico e o Jardim Bo-
tânico – setor plantas medicinais -, em Guangzhou [6].
Durante visita ao Jardim Botânico de Guangzhou foi firma-
do compromisso por parte de pesquisadores chineses de
envio de sementes de
Artemisia annua
para a Fiocruz ainda
no ano de 1987. O interesse na aquisição destas sementes
justificava-se por se tratar de um material genético ideal
para a produção de artemisinina em solo brasileiro. A acli-
matação das plantas provenientes destas sementes ao am-
biente brasileiro poderia significar uma futura autonomia
de matéria-prima na extração de artemisinina e na produ-
ção do antimalárico.
Políticas e redes internacionais de saúde pública no século XX