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tidos na reunião a transferência de tecnologia chinesa para
produção destas drogas no Brasil e a viabilidade de impor-
tação dos insumos para a realização de ensaios clínicos em
território nacional. Além disso, fazia-se necessário definir
os termos de cooperação científica/comercial a serem ne-
gociados com os chineses, especialmente para a implanta-
ção de todo o ciclo de desenvolvimento dos antimaláricos
derivados da
Artemisia annua
: da adaptação da planta ao
ambiente tropical brasileiro ao processo de fabricação de
substâncias derivadas da planta
Artemisia annua
[5].
Ainda nesta reunião foi discutida a aproximação entre a
equipa de Far-Manguinhos com o grupo de pesquisas do
recém-criado CPQBA, que já havia iniciado estudos na
adaptação da
Artemisia annua
no Brasil, com o objetivo de
produzir variedades com altos teores da substância ati-
va artemisinina, precursora de derivados semi-sintéticos
como o artemeter.
Em março de 1988, Sharapin do CPQBA, André Gemal e
Naftale Katz realizaram uma reunião para discutir a viabi-
lização de um conv
é
nio geral entre a Fiocruz e a Unicamp,
de forma a atuarem conjuntamente na transferência tec-
nológica da produção do artemeter da China para o Brasil.
Ficaram definidos os papéis de cada instituição: o CPQBA
(Unicamp) faria estudos de adaptação e cultivo da
Artemi-
sia annua
e o isolamento da artemisinina, Far-Manguinhos
(Fiocruz) atuaria na transformação de artemisinina em ar-
temeter e na formulação do medicamento, enquanto que
o Instituto René Rachou realizaria os ensaios biológicos e
clínicos [15].
O Convénio de Cooperação Científica entre Brasil e a China
foi formalizado em Beijing em julho de 1988, objetivando
o intercâmbio de cientistas e a realização de missões, o de-
senvolvimento conjunto de processos de produção de me-
dicamentos, P&D conjuntos de fontes alternativas dos prin-
cípios ativos vegetais [onde estão incluídos os derivados de
Artemisia annua
, tendo como instituição executora da parte
brasileira a Fundação Oswaldo Cruz [5], e da parte chinesa o
Centro de Intercâmbio Internacional de Medicina e Fárma-
cosTradicionais (fig. 1).
A terceira reunião da comissão 254/87, na Fiocruz, tinha
como objetivo definir plano de ação para a negociação da
transferência de tecnologia dos medicamentos praziquantel
e artemeter. Ao analisar a memória desta reunião pode-se
observar uma mudança de expectativas a respeito da parcei-
ra científica Brasil-China: havia nesse momento a percepção
de que a comitiva chinesa que iria ao Brasil em agosto de
1988 teria uma característica mais política do que técnica,
o que poderia alterar as negociações da transferência de tec-
nologia, agregando um caráter mais mercadológico e menos
científico.
Mesmo assim, havia a intenção de que Far-Manguinhos
pudesse incorporar a tecnologia e produzir o medicamen-
to na fábrica da unidade, seguindo as seguintes etapas:
transferência de tecnologia de extração da artemisinina;
transformação desta molécula em artemeter; e produção
do medicamento. Na etapa de extração da artemisinina,
pressupunha-se como matéria-prima o uso da
Artemisia
annua
desenvolvida pelo agrónomo Pedro Melillo de Ma-
galhães nas dependências do CPQBA. Também por este
motivo, havia o consenso que Nikolai Sharapin deveria
participar de alguma etapa das negociações com os chine-
ses. Os membros da comissão 254/87 ainda trabalhavam
com a hipótese de que se poderia negociar a transferência
de tecnologia associada à compra da artemisinina produ-
zida pelos chineses, no caso da planta cultivada no Brasil
não ser considerada viável do ponto de vista de produção
de artemisinina [14].
Pode-se dizer que a comissão 254/87 operava em dois
projetos concomitantes: o primeiro de adquirir tecnolo-
gia chinesa para a síntese de artemeter utilizando a ar-
temisinina importada da China; o segundo buscava de-
senvolver tecnologia nacional para produzir artemeter,
porém, utilizando a artemisinina produzida no CPQBA a
partir da planta aclimatada por Pedro Melillo.
Ao longo do ano de 1989 foi intensificada a troca de cor-
respondências entre PedroThomé, da Fiocruz, e membros
da comissão chinesa, tratando dos termos das negociações
da transferência de tecnologia de artemeter, do progra-
ma de cooperação bilateral em pesquisa de produtos na-
turais e da implantação da Medicina Tradicional Chinesa
(MTC) no Brasil
5
[16, 17]. Havia também a expectativa
de se trabalhar com plantas medicinais brasileiras de inte-
resse do projeto da CEME, efetuar trocas de informações
científicas a respeito de espécies botânicas de uso comum
no Brasil e na China, e de capacitar pesquisadores brasi-
leiros no conhecimento da MTC. Como resultado disto,
esperava-se implantar o serviço de MTC para a população
brasileira, estabelecendo um centro de treinamento em
MTC em Brasília para capacitar profissionais de saúde em
acupuntura e fitoterapia chinesa [18,17].
Outras ações foram desenvolvidas no âmbito científico
como intercâmbio de pesquisadores chineses na área de
química de produtos naturais e a realização do Simpósio
Figura 1 -
Comitiva chinesa em visita ao campus da Fiocruz-Manguinhos, com
Renato Cordeiro ao centro (cortesia acervo pessoal Renato Cordeiro)
Políticas e redes internacionais de saúde pública no século XX