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A n a i s d o I HM T

Brasil-China de Química e Farmacologia de Produtos Na-

turais organizado pelo farmacologista Renato Cordeiro

na Fundação Oswaldo Cruz em dezembro de 1989 [19].

Estas ações estavam fortemente vinculadas a demanda

de novas tecnologias para o estudo de plantas medicinais

brasileiras num contexto do projeto da CEME.

O Simpósio teve como presidentes o farmacologista da

Fiocruz Haity Moussatché, o fitoquímico da USP Otto

Gottlieb e o farmacologista Bai Dong-Lu, do Instituto

de Matéria Medica de Xangai. Este evento contou com

grande apoio por parte do governo brasileiro e órgãos

de fomento como CAPES, CNPq e FINEP, inclusive no

custeio da delegação chinesa no Brasil. Houve também

um expressivo número de trabalhos apresentados

6

, e uma

participação importante de expoentes da pesquisa brasi-

leira em produtos naturais.

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, havia um

apelo ou mesmo curiosidade pelo modelo estabelecido

pelo governo da China no que diz respeito ao uso de

plantas medicinais de uso tradicional tanto como fonte de

inspiração para novas moléculas, como no caso da artemi-

sinina, como para a validação de fitoterápicos em atenção

primária à saúde. A respeito do modelo chinês de P&D de

plantas medicinais, Gottlieb, neste momento como pes-

quisador da divisão de química do IOC, explica:

Na China quem faz produtos naturais são exatamente os

botânicos. Quem tem o maior equipamento.Tanto é que o

Renato Cordeiro organizou um congresso [Simpósio Bra-

sil-China de Produtos Naturais em 1989]. Isso foi uma

experiência, uma demonstração de como a Fiocruz deveria

trabalhar. A engrenagem dessas várias disciplinas, inter-

disciplinares, que nós acabamos de considerar, num único

esforço para tirar substâncias importantes biologicamente,

essa engrenagem poderia ser aprendida na China. Agora,

esses institutos que eles têm são gigantescos, mas também

os produtos farmacêuticos que eles usam são em 1

o

lugar

produtos naturais de plantas.

É impressionante como são interdisciplinares. Como não

há divisão, subdivisão nítida entre os vários departamentos

de um instituto desses, como eles se reúnem em torno de

um objetivo, não em torno da especialização como atual-

mente se divide no Brasil. Cada departamento pode ter

50 objetivos, 30 objetivos. Departamento disso ou daquilo

com seus muitos objetivos. Ali não é assim. Ali o objetivo

é o fármaco. Então o leque abre no começo, congregando

botânico a farmacólogo, a químico, a etc, etc. Depois ele é

que vai aprofundando o produto. No Brasil é diferente, o

departamento vai abrindo nos produtos. E aí é mais difícil

nessa área onde tem que ter tanta colaboração entre áreas

tão diversas. É muito difícil um botânico fazer química de

produtos naturais [20].

Segundo a reflexão de Gottlieb, a interdisciplinaridade

e o profundo conhecimento da botânica por parte dos

chineses seriam as características fundamentais para o

sucesso na P&D de medicamentos a partir de produto

natural, estabelecendo desta forma um modelo diferente

daquele seguido pelos pesquisadores brasileiros. A dis-

tinção entre estes modelos pode ser entendida pelo viés

cultural de cada nação, sob o qual o campo científico se

estabeleceu.

O modelo chinês se tornou interessante, porque foi pos-

sível ser traduzido em termos de produtos inovadores,

isto é, substâncias antimaláricas derivadas da

Artemisia

annua

. Da seleção da espécie botânica ao isolamento de

uma molécula totalmente diferente dos grupos quími-

cos com atividade antimalárica até então conhecidos, até

o desenvolvimento dos produtos semi-sintéticos, foram

necessários cerca de 20 anos. Portanto, pode-se dizer

que este se tornou um modelo icónico na P&D de me-

dicamentos, por terem sido realizadas todas as etapas de

desenvolvimento tecnológico, até chegar aos produtos

comerciais.

Apesar do apoio do governo brasileiro, do empenho dos

organizadores na realização deste evento, e do desejo ex-

presso em discursos por parte dos pesquisadores chine-

ses e brasileiros em torno de um projeto comum, os anos

seguintes mostraram que a cooperação científica entre

Brasil e China não se expressou em artigos publicados

em periódicos internacionais, ou mesmo em desenvolvi-

mento de novos medicamentos.

Um dos fatores deste descompasso pode ter sido a recusa

do Banco do Brasil em financiar o projeto de Far-Man-

guinhos intitulado “Obtenção de derivados antimaláricos

de artemisinina, síntese e formulação farmacêutica”, que

objetivava transformar artemisinina, “isolada no CPQ-

BA”, em artemeter e artesunato de sódio [21], subme-

tido pelo então superintendente de Far-Manguinhos,

André Gemal, no início de 1989. Este financiamento

teria sido fundamental para a continuação da parceria

entre Fiocruz e CBQPA, que paralelamente envolveria

as trocas científicas com os pesquisadores chineses. Infe-

lizmente, devido a falta de recurso financeiro, a Fiocruz

foi obrigada a abandonar este projeto.

O que se verificou foi que após a realização do Simpó-

sio (Figura 2), a prática de cooperação científica Brasil-

-China não se deu de forma organizada, como pode ser

percebida pela falta de documentos neste sentido nos

arquivos de Far-Manguinhos e pelas entrevistas dos pes-

5 - O objetivo do Programa de Cooperação seria o de “promover a fabricação de

drogas tradicionais chinesas e o estabelecimento de um centro de medicina tradi-

cional chinesa no Brasil”. Chamo a atenção, no entanto, para o teor do de primeiro

parágrafo do texto, que estabelece as bases dessa cooperação nos termos da “ne-

cessidade” pelo lado brasileiro, e da “experiência” pelo lado chinês, no estudo e na

aplicação das drogas naturais [16].

6 - Magalhães e Sharapin publicaram com colaboradores o primeiro trabalho a res-

peito da

Artemisia annua

no Brasil, nos anais do Simpósio Brasil-China [19].