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A n a i s d o I HM T

O relatório chama a atenção para as pesquisas desenvolvi-

das no Instituto de Doenças Parasitárias de Xangai, forma-

do por oito departamentos de áreas distintas, que vão além

da biologia, como a química farmacêutica e farmacologia.

Havia uma menção ao reconhecimento por parte do dire-

tor desta instituição sobre a metodologia desenvolvida por

Naftale Katz, em exame de fezes, adotada como referência

no programa nacional de controle de helmintos na China.

A OMS mantinha, desde 1980, essa instituição como cen-

tro de referência para malária, esquistossomose e filariose,

tendo mantido, desde então, relações bilaterais com insti-

tuições de pesquisa norte-americanas e francesas [6].

No mencionado relatório foram feitas recomendações à

Fiocruz, no sentido de realizar intercâmbio de pesquisa-

dores, a implantação de um centro de produtos naturais no

campus da Fiocruz e de um centro de tratamento de doen-

ças e treinamento de especialistas em Medicina Tradicional

Chinesa (MTC). Entre as instituições visitadas, o Instituto

de Matéria Médica e o Instituto de Doenças Parasitárias,

em Xangai, mostraram-se potencialmente interessantes

como parceiros para o desenvolvimento de cooperação bi-

lateral na pesquisa de plantas medicinais e na produção de

insumos para a fabricação de medicamentos [6].

Havia interesse por parte do governo chinês em “exportar”

o modelo da MTC para países ocidentais, o que favorece-

ria a produção e comércio de medicamentos tradicionais

baseados em plantas chinesas. A cadeia de produção das

“fórmulas tradicionais chinesas” já estava bem estabelecida

no território chinês, e a comercialização destes produtos

para países estrangeiros favoreceria o trabalho das famílias

camponesas envolvidas nesta atividade, e traria mais divisas

para o país [7].

Por outro lado, havia interesse do governo brasileiro no

sucesso dos pesquisadores chineses no estudo e utilização

das plantas de uso tradicional chinês na atenção primária

daquele país e expectativa de que o modelo chinês pudes-

se ser aplicado/adaptado no estudo da flora brasileira, em

atendimento ao projeto CEME.

Naftale Katz, seguindo sugestão do então presidente da

Fiocruz, Sérgio Arouca, convidou o superintendente de

Far-Manguinhos, o fitoquímico André Gemal, para parti-

cipar da comissão

2

instalada pela presidência da Fundação

Oswaldo Cruz em 30 de dezembro de 1987 [8].

Tal comissão tinha como objetivo discutir os termos de

futuras parcerias de cooperação nas áreas de medicina e

medicamentos tradicionais - o que será entendido como

a introdução da MTC no Brasil - além de definir um con-

vénio de cooperação científica e tecnológica para desen-

volvimento de fármacos destinados ao combate de grandes

endemias. Este último iria tratar prioritariamente do pro-

jeto de desenvolvimento do antimalárico artemisinina em

território brasileiro. [5,9].

Concomitantemente, outra comitiva foi formada pelo en-

tão diretor Walace de Oliveira e do fitoquímico Nikolai

Sharapin, ambos do recém criado Centro Pluridisciplinar

de Pesquisas Químicas, Biol

ó

gicas e Agrícolas – CPQBA,

Unicamp, que realizou viagem à China em 1987 com obje-

tivos semelhantes aos da missão da Fiocruz. Ambas as mis-

sões visavam estabelecer acordos de colaboração científica

na área de pesquisa de plantas medicinais advindas da MTC,

tanto para desenvolvimento de novas drogas quanto para

fitoterápicos, para utilização nos programas de atenção pri-

mária à saúde [10, 11].

Desta viagem, Oliveira e Sharapin trouxeram a ideia de

um projeto de aclimatação da planta

Artemisia annua

em

território brasileiro, além do isolamento da artemisinina

nos laboratórios do CPQBA. Além disso, foi celebrado um

acordo de cooperação científica entre o Instituto de Maté-

ria Médica de Xangai e o CPQBA, possibilitando a vinda

de pesquisadores chineses a Campinas e a troca de infor-

mações quanto a metodologias e materiais para análise de

laboratório de química de produtos naturais [12].

Este foi o primeiro projeto multidisciplinar do CBPQA que

intitulou-se “Obtenção de fármacos antimaláricos de

Arte-

misia annua

3

, que incluía a aclimatação e o melhoramen-

to de variedades de

Artemisia annua,

a cargo do agr

ó

nomo

Pedro Melillo de Magalhães, com o objetivo de aumentar

e estabilizar o teor da substância artemisinina. Em outra

vertente, os estudos em fitoquímica, coordenados por Ni-

kolai Sharapin, tinham como objetivo isolar a artemisinina

e desenvolver técnicas de doseamento da substância para

controle de qualidade.

Paralelamente ao projeto da

Artemisia annua

, a divisão de

agrotecnologia do CPQBA desenvolvia um programa de

aclimatação, domesticação e padronização de plantas medi-

cinais brasileiras, em apoio ao projeto CEME

4

. A ideia era

garantir matéria-prima para futuros medicamentos fitote-

rápicos que abasteceriam os programas do SUS em atenção

primária à saúde [11].

A primeira reunião da comissão 254/87 da Fiocruz ocor-

reu em fevereiro de 1988 na Fiocruz, com a presença do

químico de Far-Manguinhos André Gemal, Naftale Katz e

Pedro Thomé de A. Filho, e tinha como objetivo “definir

um plano de ação de modo a verificar o interesse de ad-

quirir tecnologia [da China] referente aos produtos arte-

meter e praziquantel” [14]. O artemeter é uma substância

semi-sintética derivada da molécula natural artemisinina,

enquanto o praziquantel é um antihelmíntico. Foram discu-

1 -A pesquisadora chinesaYouyouTu foi laureada com o prémio Nobel de Medicina

em 2015 pela descoberta da artemisinina.

2 - Criada pela presidência da Fiocruz número 254/87, e por isso passarei a chamar

comissão 254/87.

3 - O projeto foi financiado pela FAPESP (88/2642-6) e coordenado pelo diretor

do CPQBA,Walace de Oliveira.

4 - Esta divisão do CPQBA acabou se tornando a referência na P&D de produtos

naturais e fitoterápicos no Brasil, em especial durante o período do programa da

CEME.