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Apesar do impacto negativo de vírus como o DENV e o

CHIKV na saúde humana, o estabelecimento endémico

destes agentes virais na Europa continental parece ampla-

mente dependente da dispersão restrita do seu principal

vetor (

Ae. aegypti

). Apesar do facto de

Ae. albopictus

se ter

já demonstrado capaz de assegurar transmissão epidémica

destes arbovírus na Europa, esta não deverá ser suportada

quer pelas espécies europeias autóctones quer pelas recen-

temente introduzidas (incluindo

Ae. japonicus

,

Ae. atropalpus

,

Ae.koreicus ou Ae.triseriatus

), as quais apresentam competência

vetorial bastante limitada para a transmissão de vírus como o

DENV/CHIKV (Schaffner

et al.

, 2013). Contudo, algumas

das espécies do género

Culex

com ampla distribuição geo-

gráfica por toda a Europa continental (ex:

Culex pipiens

), são

vetores comprovadamente competentes para a transmissão

de outros arbovírus, dos quais é exemplo o vírus do Nilo

Ocidental (WNV).

Isolado, pela primeira vez, a partir de um indivíduo com infe-

ção febril na província do Nilo Ocidental (Uganda) em 1937,

até ao final dos anos de 1990 a atividade doWNV foi conside-

rada errante, tendo sido pontualmente identificados casos de

doença febril em países como a África do Sul, a França, o Egi-

to ou Israel (Chancey et al., 2015). Este padrão epidemioló-

gico viria, no entanto, a alterar-se no final da década de 1990,

quando uma série de países da bacia do Mediterrâneo e do

centro da Europa (incluindo a Roménia, a Hungria e a Rús-

sia) passaram a reportar transmissão regular deWNV (Zeller

e Schuffenecker 2004), especialmente associada aos meses

de Verão e a um aumento da densidade dos seus potenciais

vetores. Inesperadamente, o impacto crescente doWNV na

saúde humana na Europa veio a ser amplamente ultrapassado

em virtude das consequências nefastas resultantes da introdu-

ção inesperada deste vírus no continente americano em 1999

(CDC, 1999). De facto, em especial na América do Norte

(Estados Unidos e Canadá), oWNV tem sido responsável por

um número nunca antes reportado de doença neuroinvasiva

(mais de 18.800 entre 1999 e 2014;

http://www.cdc.gov/

westnile/resources/pdfs/data/3-west-nile-virus-cases-re-

ported-to-cdc-by-state_1999-2014_06082015.pdf), sendo

esta a manifestação clínica mais grave associada a este vírus.

Se por um lado a deteção de infeções humanas causadas por

WNV na bacia do Mediterrâneo (incluindo no seu extremo

ocidental: Península Ibérica; Esteves

et al.

, 2005; Bofill

et al.

,

2006; Kaptoul

et al.

, 2007; Zé-Zé

et al.

, 2015) pareça ser

pontuada por períodos mais ou menos prolongados em que

a atividade viral desce a valores indetetáveis (Parreira

et al.

,

2007), é um facto que os programas de vigilância estabeleci-

dos em muitos destes países têm permitido ao aumento da

incidência deste vírus. O ano de 2012 parece ter correspon-

dido, mais uma vez, a um ponto de viragem na epidemiologia

do WNV na Europa. O verão de 2012 permitiu a deteção

simultânea de estirpes de duas das suas principais linhagens

genéticas em Itália (Zeller e Schuffenecker 2004) enquanto

entre 2012 e 2013 inúmeras infeções humanas vieram a ser

detetadas, por exemplo, na Áustria, Bósnia e Herzegovina,

Croácia, Grécia, Hungria, Espanha e Ucrânia (Chancey

et al.

,

2015).A associação, em especial na Grécia, de vários casos de

infeção aWNV a neurovirulência, e a confirmação da circula-

ção enzoótica desde 2010 deWNV da linhagem 2 neste país,

foi totalmente inesperada (Chaskopoulou

et al.

, 2011; Barzon

et al.

, 2015). De facto, não só até então esta linhagem parecia

ter uma distribuição exclusivamente africana, como as estir-

pes que a constituíam eram consideradas menos patogénicas

para o Homem.

Se por um lado os programas de vigilância epidemiológica

de doenças transmitidas por vetores se vêem, hoje em dia,

limitados pelos impactos negativos impostos pela situação

económica de um grande número de países europeus, por

outro, os desafios a que estes se propõem responder são

cada vez maiores. Em virtude das imparáveis tendências

para uma globalização progressiva, aliadas aos eventuais

impactos que as alterações climáticas terão na distribuição

de alguns agentes patogénicos e dos seus vetores, a vigi-

lância de doenças infeciosas e a implementação de medi-

das de controlo vetorial deverão ser mantidas de forma

permanente. É certo que quer a distribuição limitada do

Ae. aegypti

na Europa continental, quer colonização frag-

mentada que caracteriza a distribuição do

Ae. albopictus

não

parecem favorecer o estabelecimento endémico de vírus

como o DENV ou o CHIKV, nunca deveremos esquecer

que os vetores explorarão novos nichos compatíveis com

a sua multiplicação. Assim, o seu controlo deve ser per-

manente, ou arrisca-se a tornar-se obsoleto (Bouzid

et al.

,

2014). Este problema pode ser complicado pela aproxima-

ção estrita de algumas espécies aos humanos e/ou pelos

seus elevados índices de resistência aos inseticidas, tal com

descrito para a população de

Ae. aegypti

da Ilha da Madeira

(Seixas

et al.

, 2013) onde ademais a sua utilização é por

fortemente regulamentada, tal como acontece um pouco

por toda a Europa. Desta feita, o envolvimento comuni-

tário quer na promoção da alteração dos comportamentos

das populações, quer na redução de criadouros das formas

larvares do vetor artrópode, deverão ser encarados como

fatores determinantes do controlo vetorial, tal como o

demonstraram estudos efetuados em Cuba (Castro

et al.

,

2013; Sanchez

et al.

, 2009). Neste sentido, as experiên-

cias colhidas no âmbito do surto de dengue na Madeira em

2012 poderão ser consideradas paradigmáticas dos níveis

de perceção comunitária relativamente a este vírus e à sua

transmissão, tendo claramente demonstrado a existência

de níveis consideráveis de desinformação, os quais deve-

rão ser seriamente tidos em consideração (Nazareth

et al.

,

2014).

Agradecimentos:

Parte do trabalho aqui apresentado foi executado ao abrigo

do contrato (bolsa) MLN FAPESP 2013/21719-3.

Artigo Original