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De entre os vírus que são transmitidos ao Homem pela pi-
cada/mordedura de um artrópode hematófago por eles in-
fetado de forma sistémica (arbovírus), os que se agrupam
dentro do género
Flavivirus
(família
Flaviviridae
) sob a de-
signação genérica de vírus da dengue (DENV) são aqueles
que, atualmente, mais problemas colocam à saúde Humana
(Thai e Anders, 2011). Para tal contribuem vários fatores.
Por um lado, o grande número de infeções assintomáticas,
aliado a um quadro clínico indistinto (de tipo síndrome gripal
e vulgarmente conhecido como febre de dengue ou DF; do
inglês
dengue fever
), compatível com o associado a muitas ou-
tras doenças, incluindo malária, leptospirose, tifo e uma série
de síndromes febris de origem viral. Se, por um lado, o seu
diagnóstico clínico é difícil, não são infrequentes as limitações
impostas ao seu correto diagnóstico laboratorial, tornando,
assim complicada uma correta avaliação do real impacto deste
vírus na saúde Humana. Adicionalmente, e em especial nos
países onde a malária é endémica, e tal como acontece um
pouco por toda a África subsaariana e a região Amazónica
da América do Sul, as infeções a DENV são frequentemente
mal-diagnosticadas (e reportadas com malária) ou, simples-
mente, não são notificadas (Suaya
et al.
, 2007; Amarasinghe
et al.
, 2011). Por consequência, as estimativas da Organiza-
ção Mundial da Saúde que referem o facto de, globalmente
e por ano, entre 50 a 100 milhões de indivíduos poderem
vir a sofrer infeções por um destes vírus (WHO, 2008) são,
provavelmente, conservadoras. A apoiá-lo estão simulações
matemáticas baseadas em registos georreferenciados de infe-
ções a DENV notificadas nos últimos 50 anos, e que indicam
que, anualmente, cerca de 400 milhões indivíduos possam vir
a sofrer infeções por um dos 4 serotipos conhecidos deste
vírus, sendo que 20% destas (aproximadamente 80 milhões)
possam ser acompanhadas de manifestações clínicas (Bhatt et
al., 2013). Finalmente, o impacto direto do DENV na saúde
é ainda influenciado pela capacidade vetorial do seu principal
vetor (o mosquito
Aedes aegypti
). Este é comprovadamente
antropofílico, apresenta tendência para se reproduzir e ali-
mentarem próximo, ou mesmo dentro das habitações huma-
nas (Reiter, 2010), e pode ser transportado a longa distância,
frequentemente em associação ao comércio de pneus usados
e plantas ornamentais (Lounibos
et al.
, 2002).
Se os números acima referidos são por si só impressionantes,
também é um facto que nas últimas décadas o número de
infeções a DENV tem vindo a seguir uma tendência crescente
incluindo uma aumento do seu espectro geográfico, sendo
este aumento acompanhado por uma igual tendência para um
aumento do número de casos de dengue com complicações
(Messina
et al.
, 2014). De facto, em situações de infeção se-
cundária com um subtipo viral distinto do que causou uma
infeção primária, o risco de desenvolvimento de complica-
ções clínicas devidas ao fenómeno de ADE (do Inglês
Anti-
body-Dependent Enhancement of Infection
) parece ser maior do
que nos casos de primoinfeção (Guzman
et al.
, 2013). Ape-
sar dos mecanismos fisiológicos subjacentes a estas situações
não serem ainda totalmente claros, este são, provavelmente,
dependentes de múltiplos fatores. No entanto, a sua origem
parece assentar na presença de anticorpos heterotípicos e
não neutralizantes, produzidos aquando de uma infeção an-
terior com um DENV de um serotipo diferente. No decurso
de infeções secundárias, a presença destes anticorpos pare-
ce contribuir não só por um aumento da virémia como, e
sobretudo, para uma estimulação da produção de citocinas
pró-inflamatórias, as quais desencadeiam "tempestades de ci-
tocinas", frequentemente associadas a alterações da permea-
bilidade capilar (Rothman, 2011;Tisoncik
et al.
, 2012; Flipse
et al.
, 2013).
Embora surtos epidémicos clinicamente compatíveis com in-
feção por um dos serotipos de DENV sejam conhecidos há
séculos (Vasilakis e Weaver, 2008), o primeiro isolamento
de DENV foi efectuado no Japão e data de 1943 (DENV1),
2 anos após o que se seguiu um segundo isolamento viral
(DENV2), desta feita no Hawai (Messina
et al.
, 2014). Em-
bora as notificações de surtos causados por este vírus este-
jam frequentemente associadas ao Sudeste Asiático, à região
da Ásia/Pacífico e às América Central e do Sul, registos da
ocorrência de infeções a DENV em África datam do século
XIX (1823, 1870, naTanzânia/Zanzibar). Aí, estudos retros-
pectivos realizados na década de 1950 apontaram para que o
primeiro surto epidémico tenha ocorrido na África do Sul
durante o ano de 1927 (Were, 2012). Nos últimos anos, a
transmissão local do DENV foi reportada em de 20 países
distribuídos por toda a África, mas em grande parte a ativida-
de viral foi indirectamente detetada através do diagnóstico de
infeções em turistas e expatriados, aquando do seu retorno
aos seus países de origem (Amarasinghe
et al.
, 2011).
Todos os serotipos de DENV foram já identificados em Áfri-
ca (Gubler e Clark, 1995; Amarasinghe
et al.
, 2011), e a co-
-circulação simultânea de múltiplos serotipos (DENV1-3)
igualmente recentemente referida na literatura (Caron
et al.
,
2013). Inesperadamente, o final da década de 2000 foi carac-
terizado por um aumento do número de infeções por DENV
em países da África Ocidental, especialmente ao longo de fai-
xa costeira que se estende do Senegal ao Gabão, na sua maio-
ria causadas por vírus do serotipo 3 (Franco
et al.
, 2010).
Disto foi exemplo a concomitantemente deteção de infeções
a DENV adquiridas por turistas europeus que terão visitado o
Senegal em Outubro de 2009, com o registo no arquipélago
de Cabo-Verde de um surto epidémico sem precedentes até
então. Durante este surto, inicialmente detetado em Setem-
bro de 2009, terão sido registadas mais de 17 mil infeções, e 6
óbitos (Wkly Epidemiol Rec. 2009). Mais recentemente, um
surto causado por DENV1 assolou a cidade de Luanda (Ango-
la) durante a primavera de 2013
(http://www.angonotícias.
com/Artigos/item/38122/casos-dedengue-registados-no-
-hospital-geral-de-luanda) e na sequência deste foi adicional-
mente detetada a circulação de CHIKV através da idenfitica-
ção de ambos os vírus num mesmo indivíduo (Parreira
et al.
,
2014). Um ano depois, a circulação de DENV2 foi igualmen-
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