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A n a i s d o I HM T

te confirmada na costa oposta do continente africano, na ci-

dade de Pemba no norte de Moçambique (

Program for Moni-

toring Emerging Diseases

; PromedMail update 34, datado de 28

de Abril de 2014) e na região costeira da Tanzânia, centrada

na cidade de Dar es Salaam e no arquipélago de Zamzibar

(http://www.afro.who.int/pt/grupos-organicos-e-progra-

mas/ddc/alerta-e-resposta-epidemias-e-pandemias/4155-

-dengue-outbreak-in-the-united-republic-of-tanzania-30-

-may-2014.html). No contexto africano, o impacto dos ar-

bovírus na saúde das populações humanas é adicionalmente

complicado pela provável circulação de muitos outros destes

vírus, alguns deles causadores de síndromes febris agudos

"tipo-dengue". Um destes vírus, foi isolado pela primeira

vez em 1947 de um macaco Rhesus, sentinela num estudo de

distribuição do vírus da febre amarela, na floresta de Zika no

Uganda. Hoje em dia, este flavivírus é conhecido por vírus

Zika (ZIKV). Desde a data do seu isolamento que o ZIKV

tem sido pontualmente detetado em vários países africanos,

e no final da década de 1970, infeções causadas por ZIKV

foram igualmente descritas na Indonésia. Porém, foi a partir

de 2007 que foram descritas as primeiras epidemias a ZIKV

na Micronésia e outras ilhas do Oceano Pacífico (Faye et al.,

2014). Inesperadamente, este vírus tem sido repetidamente

identificado no Brasil onde a sua chegada e expansão ocorreu

muito recentemente (Zanluca et al., 2015).

No que à Europa diz respeito, a Rede Europeia deVigilância

de Doenças Infeciosas Importadas (TropNetEurope) tem vin-

do nos últimos anos a registar, de forma global, um aumento

no número de casos de dengue importados para a Europa (Je-

linek, 2009). Apesar das ligações comerciais e demográficas

que muitos países europeus mantêm com países africanos,

a maioria (cerca de 60%) destes têm sido, contudo, impor-

tadas de países da América Latina ou do Sudeste-Asiático

(cerca de 30%). Comparativamente, menos de 10% tiveram

origem em África (Jelinek, 2009; Amarasinghe et al., 2011;

http://www3.rki.de/SurvStat/

). Esta tendência crescente

no número de casos importados de DENV está diretamente

associada ao aumento de 3-4 vezes no número de infeções a

nível mundial, sendo este ainda mais marcado na Ásia e nas

Américas (Messina

et al.

, 2014). Os primeiros registos de cir-

culação de DENV nas Américas estão associados à deteção de

estirpes do serotipo 2, cuja circulação foi referida emTrini-

dade e Tobago (Caraíbas) em 1953. Porém, a circulação de

DENV2 no continente americano apenas se tornou "regular"

a partir do início da década de 1970, alguns anos depois de

DENV3 ter sido notificado em Porto Rico. Atividade viral

devida a DENV1 e DENV4 foi registada apenas alguns anos

mais tarde (Messina

et al.

, 2014;Teixeira

et al.

, 2009).

Apesar de até ao final da década de 1990 o Sudeste Asiáti-

co ter sido a região do planeta mais fortemente afetada pelo

DENV, à entrada do século XXI o Brasil passou a ser o país

que terá registado o maior número de casos de DENV, as-

cendendo estes, entre 2000 e 2005, a mais de 3 milhões de

infeções. Este número deverá ter correspondido a quase 80%

das infeções reportadas no continente americano, e a mais de

60% das infeções a nível global (Teixeira

et al.

, 2009; http://

www.who.int/bulletin/volumes/88/4/10-076935/en/).

Desde o início da década de 1990 que o Brasil tem vindo

a reportar a circulação quase em simultâneo de DENV1-3

(hiperendemicidade). Além da circulação de diversos soro-

tipos, diferentes genótipos e mesmo linhagens genéticas tem

co-circulado, causado um fenómeno de base virológica ex-

tremamente complexo (Drumond et al., 2012; Drumond et

al., 2014; Martins et al., 2014). Contudo, e ao contrário do

que tem sido observado no sudeste asiático onde o DENV

é igualmente hiperendémico e afeta, sobretudo, crianças,

no Brasil este vírus tem afetado essencialmente a população

adulta, com algumas exceções regionais no país (Teixeira et

al., 2012;Teixeira et al., 2013). Inesperadamente, o número

de casos clínicos com complicações tem sido curiosamente

menor do que seria de antecipar dada a circulação de múlti-

plos serotipos virais.

O aumento no número de infeções a DENV no Brasil na dé-

cada de 1980 deverá ter resultado de uma combinação de fa-

tores incluindo uma população humana em crescimento, e

um clima tropical compatível com a multiplicação do princi-

pal vetor viral (

Ae. aegypti

) em meio urbano. Este vetor terá

sido reintroduzido no país na década de 1970, a partir do

momento em que os programas de vigilância entomológica e

controlo de vetores foram praticamente desativados (Teixei-

ra

et al.

, 2009). Apesar dos esforços encetados em múltiplas

cidades brasileiras para controlar a dispersão do

Ae. aegypti

,

das inúmeras campanhas de educação da população para fazer

face à necessidade de controlar o número de criadouros lar-

vares e de implementação de medidas de proteção pessoal, a

verdade é que o DENV continua, nos dias de hoje, a colocar

não só uma enorme pressão sobre os serviços de saúde do

Brasil, como contribui como fator de destabilização socioló-

gica (gerando medo e insegurança). O seu possível impacto

na economia, por consequência da sua eventual influência ne-

gativa sobre o turismo deve ainda ser considerado.

Curiosamente, a dimensão deste problema pode traduzir

uma realidade diferente daquela que até hoje foi imaginada.

Ao contrário do que parece ser a situação africana, em que o

impacto do DENV na saúde humana é claramente subavalia-

do, e onde, provavelmente, a maior parte das infeções provo-

cadas por estes vírus se escondem sob o véu da malária, uma

fração não-negligenciável das síndromes febris de origem vi-

ral diagnosticados no Brasil como dengue pode esconder uma

diversidade viral não antecipada, como por exemplo infeções

por outros flavivirus como o vírus da encefalite de Saint Louis

(SLEV) ou mesmo alfavirus endémicos como Mayaro (Mon-

dini et al., 2007; Mourão et al., 2015; Terzian et al., 2011;

Vieira et al., 2015). Para tornar esta realidade ainda mais

complexa, desde os finais de 2013 que toda a América Cen-

tral/Sul (e o Brasil em particular) tem sido palco de uma nova

invasão, desta feita protagonizada pela vírus chikungunya (

To-

gaviridae,Alphavirus

).