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A n a i s d o I HM T
a uma diminuição da viabilidade dos mosquitos adultos (Thai
e Anders, 2011). Apesar do facto de alterações em parâme-
tros climáticos (como a temperatura, humidade e pluviosi-
dade) serem difíceis de modelar e antecipar, muitos autores
parecem concordar com a ideia de que as alterações no clima
venham a ter um impacto direto na dispersão de agentes pa-
togénicos transmitidos por vetores, facilitando-a. Tal ideia é
suportada pela construção de mapas de risco, baseados em
análises de modelização matemática, os quais sugerem que,
nos finais do século XXI, áreas extensas das costas do Medi-
terrâneo e do mar Adriático possam vir a suportar transmis-
são regular de DENV (Bouzid
et al.
, 2014).
No que à Europa continental diz respeito, e atendendo à dis-
persão atual, bastante restrita, do
Ae. aegypti
(ver abaixo), a
ocorrência de possíveis surtos de DENV e/ou CHIKV (por
exemplo) deverá estar essencialmente condicionada pela dis-
seminação de
Ae. albopictus
. Apesar de esta ter sido iniciada a
partir da Ásia desde os anos de 1970, que mosquitos desta es-
pécie têm vindo a ser repetidamente identificados um pouco
por todo o continente europeu. Hoje em dia são reconhecidas
populações estabelecidas desta espécie na Albânia, Bósnia e
Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslovénia, Espanha, França,
Grécia, Itália, Malta, Mónaco, Montenegro, San Marino, Sér-
via, Suíça e Vaticano (Medlock
et al.
, 2012). Ainda que, e tal
como acima se referiu, os eventuais impactos das alterações
climáticas não sejam fáceis de antecipar, a maioria dos estudos
parece convergir na ideia de que o aumento da temperatura
e da pluviosidade devam contribuir para o estabelecimento
de espécies como o
Ae. albopictus
e
Ae. aegypti
(Straetemans
et al.
, 2008). Contudo, a forma como estes condicionarão
a dispersão de agentes patogénicos como o DENV e/ou o
CHIKV é complicada pelo facto de esta ser multifatorial e de-
pender da competência do vetor envolvido, da sua densidade,
da forma como este compete com as espécies autóctones, da
implementação (ou não) de medidas de controlo vetorial ou
de barreiras que limitam o acesso dos mosquitos às habitações
humanas, do genótipo viral, das condições de vida das popu-
lações humanas e da sua densidade, do estado de imunidade
da população suscetível, e da possibilidade de ocorrência de
ADE.
Nos dias de hoje, a distribuição de
Ae. aegypti
está essencial-
mente limitada a regiões tropicais e subtropicais, mas a sua
incursão pelos climas mais temperados da Europa continental
foi reiniciada recentemente (Reiter, 2010). De facto, e não
obstante a sua eliminação da Europa continental durante a dé-
cada de 1950 (possivelmente consequência dos esforços ence-
tados para controlar a malária, da introdução do DDT como
pesticida e insecticida e do melhoramento do saneamento
básico), até então esta espécie estava presente em Espanha,
França (incluindo na Córsega), Grécia, Creta, Chipre, Itália
(incluindo nas ilhas da Sardenha e Sicília), na região dos Balcãs
(ex Jugoslávia), Portugal continental e numa série de países
norte-africanos nos limites da bacia mediterrânica (Holstein,
1967). Mais recentemente, foram detetadas populações esta-
belecidas desta espécie na Geórgia, na República da Abecásia
e ao longo da fronteira Russa, no mar negro (http://www.
vbornet.eu/).Ainda que a distribuição de
Ae.aegypti
na Euro-
pa continental seja, portanto, bastante restrita, desde meados
da década de 2000 que esta espécie se instalou na Ilha da Ma-
deira. Curiosamente, e apesar das ligações regulares por via
aérea e marítima com o continente, esta espécie não foi ainda
detetada em Portugal continental (Almeida
et al.
, 2010). Não
obstante a sua dispersão em especial por toda a face sul da
Ilha da Madeira (Almeida
et al.
, 2007), esta espécie de mos-
quitos parece ter-se adaptado com enorme sucesso à cidade
do Funchal (capital), onde os seus elevados números foram
inicialmente associados à sua enorme incomodidade. Este ce-
nário viria a agravado em meados de 2012 com a notificação
da transmissão autóctone de DENV1 (genótipoV), filogene-
ticamente aparentado com estirpes sul-americanas com pro-
vável origem na Colômbia, Brasil ou Venezuela (Alves
et al.
,
2012;Wilder-Smith
et al.
, 2014). As mais de 2100 infeções
notificadas até março de 2013 foram clinicamente avaliadas
como febre de dengue (DF) sem complicações, não tendo
sido registados quaisquer óbitos
(www.dgs.pt/ficheiros-de--upload-2013/dengue-madeirasituacao-em-2013_03_03-
-pdf.aspx). Apesar de não ser possível estimar quantos, de
entre os turistas europeus que entre finais de setembro de
2012 e março de 2013 regressam a suas casas depois de umas
férias, apresentam virémia a DENV, a verdade é que 81 in-
feções ativas foram diagnosticadas em turistas após estes te-
rem retornado aos seus países de origem. Para além de Por-
tugal continental
(www.dgs.pt/ficheiros-de-upload-2013/dengue-madeirasituacao-em-2013_03_03-pdf.aspx), alguns
destes países apresentam áreas consideráveis já colonizadas
por
Ae. albopictus
(www.ecdc.
europa.eu/en/publications/publications/0905_ter_development_of_aedes_albopic-
tus_risk_maps.pdf).Assim sendo, este tipo de situações, abre
portas à entrada de DENV em virtualmente qualquer país da
Europa continental.
Se, por um lado, a transmissão de DENV por
Ae. aegypti
na
Europa continental está constrangida pela distribuição cir-
cunscrita deste mosquito, por outro, a dispersão de
Ae. albo-
pictus
por extensas áreas das costas mediterrânica e adriática
dá oportunidade a que a transmissão de inúmeros arbovírus
possa ocorrer. Esta possibilidade veio, de facto, a concretizar-
-se no Verão de 2007 aquando da incursão do vírus CHIKV
pelo norte de Itália, onde a sua transmissão autóctone foi as-
segurada por
Ae. albopictus
, e no decurso da qual foram con-
firmados mais de 200 infeções (Rezza
et al.
, 2007).Apesar do
último surto de dengue notificado na Europa Continental da-
tar dos anos de 1928-29, a transmissão autóctone de DENV1
foi notificada em França (La Ruche
et al.
, 2010) e na Croácia
(Gjenero-Margan
et al.
, 2011; Kurolt
et al.
, 2013) em 2010,
tendo sido reeditada em França em 2013 [DENV2 com ori-
gem provável em Guadalupe; Marchand
et al.
, 2013; www.
invs.sante.fr/]. Em todas estas situações, o vetor implicado
na transmissão viral foi sempre
Ae. albopictus
.