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Isolado em 1953 na Tanzânia, na sequência de um surto de

doença febril ao qual foram associadas artralgias fortes e

persistentes, este vírus foi causando até meados da década

de 2000, de forma intermitente, pequenos surtos na África

e na Ásia (Rougeron

et al.

, 2015). Inesperadamente, na se-

quência da sua deteção quase simultânea na cidade de Mom-

baça e no arquipélago de Lamu (costa oriental do Quénia)

em 2004, este vírus veio a dar origem a uma epidemia de

grandes proporções que se alastrou por várias ilhas/arquipé-

lagos no oceano Índico e pelo subcontinente indiano (Sam

et

al.

, 2015). Curiosamente, a expansão do CHIKV pelo oceano

Índico foi associada à seleção de mutantes virais com

fitness

aumentada em

Ae. albopictus

. Hoje em dia, estas variantes vi-

rais, com uma substituição conservativa de (A

V) na posi-

ção 226 da glicoproteína E1, formam uma linhagem genética

independente (designada a linhagem do oceano Índico;

Indian

ocean lineage

), inicialmente derivada da linhagem de estirpes

do Este, Centro e Sul da África (

ECSA lineage

).

Apesar do facto destas estirpes adaptadas à replicação em

Ae.

albopictus

terem sido protagonistas de várias ondas de disper-

são a partir do oceano Índico (Rougeroan

et al.

, 2015), ines-

peradamente foram estirpes da linhagem Asiática, restritas

na sua capacidade replicativa em

Ae. albopictus

e transmitidas

essencialmente por

Ae. aegypti

(Tsetsarkin

et al.

, 2011), que

vieram a ser detetadas na Ilha de St Martin nos finais de 2013.

Nos primeiros 9 meses de expansão pelas Américas a partir

das Caraíbas, o CHIKV terá causado mais de 650 mil infe-

ções distribuídas por cerca de 40 países (Powers, 2015). A

sua chegada ao Brasil, em meados de 2014, não foi, portanto

inesperada. Para além dos casos de infeção a CHIKV anual-

mente importados, a estirpe asiática de CHIKV foi seguindo

a onda de expansão em direcção ao sul do continente ameri-

cano, e veio a ser apontada como responsável pelos casos de

transmissão autóctone deste vírus, inicialmente notificados

no estado do Amapá (Oiapoque), no norte do país (Nunes

et

al.

, 2015). Curiosamente, esta foi praticamente coincidente

com uma segunda notificação de transmissão autóctone de

CHIKV da linhagem ECSA no Brasil, desta feita na cidade

de Feira de Santana, no estado da Bahia. Apesar do facto de

nenhum dos vírus detetados apresentar a mutação A226V, ou

qualquer uma das outras que se verificou promoverem a re-

plicação de CHIKV em

Ae. albopictus

, certo é que esta última

estirpe, de origem na costa ocidental africana, poderá evoluir

nesse sentido, tendo a seleção deste tipo de mutantes virais

sido detetada em múltiplas ocasiões (Tsetsarkin

et al.

, 2013).

Se tal vier a acontecer, no contexto brasileiro o CHIKV pode

vir a tornar-se num problema de dimensões consideráveis.

De facto, as estimativas do que poderá vir a ser a cobertura

geográfica do CHIKV no Brasil colocam este vírus em regiões

que comportam cerca de 99% da população do país (Nunes

et al.

, 2015).

Não obstante, o CHIKV não parece ser o único alfavírus com

impacto direto na saúde Humana no Brasil. De facto, estu-

dos sero-epidemiológicos revelaram que uma pequena per-

centagem dos habitantes das regiões rurais no norte e oeste

do país demonstram apresentar anticorpos anti-vírus Mayaro

(MAYV), cuja transmissão é normalmente assegurada por

mosquitos do género

Haemagogus

(Vieira

et al.

, 2015). As in-

feções a MAYV apresentam semelhanças clínicas entre as in-

feções sintomáticas a DENV/CHIKV e incluem febre, dor de

cabeça, mialgia, dor retro-ocular, exantema e possíveis fenó-

menos hemorrágicos (Mourão

et al.

, 2015). Infelizmente, nas

áreas (estados de Mato Grosso eAmazonas) onde a circulação

deste vírus já foi detetada e duas estirpes virais isoladas (Viei-

ra

et al.

, 2015), o diagnóstico clínico de infeções a MAYV

pode ser virtualmente impossível de ser assegurado.

Apesar do facto de dezenas de arbovírus terem vindo a ser iso-

lados na região amazónica ao longo dos anos, ainda que ape-

nas uma pequena fração destes pareça ser patogénica para o

Homem, a verdade é que o contributo do DENV na fração de

síndromes febris associados a arbovírus deve ser avaliado cor-

retamente. De facto, e em oposição à situação africana acima

referida, é bem provável que uma fração não negligenciável

das infeções diagnosticadas com dengue no Brasil seja causada

por outros flavivírus como o da febre amarela ou SLEV, alfa-

vírus como o CHIKV e o MAYV, ou ortobuniavírus como o

vírus Oropouche (OROV; família

Bunyaviridae

). A circulação

deste último, inicialmente detetada em Belém (no estado do

Pará em 1961), foi subsequentemente confirmada através de

levantamentos sero-epidemiológicos (Pinheiro

et al.

, 1998).

Desde então, vários têm sido os surtos febris associados à

circulação de OROV especialmente na região do planalto

brasileiro (extensa região geográfica que cobre a maior parte

das porções leste, sul e central do Brasil). Este vírus existe,

naturalmente em ciclos urbanos (transmitidos por

Culicoides

paraensis

) e silváticos (transmissão assegurada por mosquitos

dos géneros

Aedes

e

Culex

; Mourão

et al.

, 2015).Assim, é par-

ticularmente importante que sejam implementados métodos

fidedignos de diagnóstico laboratorial que permitam avaliar o

impacto de outros vírus que não o DENV enquanto causado-

res de síndromes febris de origem viral.

Assumindo que, nos dias de hoje, as barreiras geográficas não

são mais impeditivas da dispersão dos invertebrados que ser-

vem de vetores a inúmeros agentes patogénicos, o estabeleci-

mento dos primeiros numa dada região geográfica permanece

amplamente condicionado por fatores de ordem climática, e

em especial pela temperatura. Por essa razão, e apesar da dis-

persão dos quatro serotipos de DENV ter, de facto, aumen-

tado nos últimos 50 anos (Messina

et al.

, 2014), esta reflete

a distribuição do seu principal vetor, a qual é normalmente

limitada entre as latitudes 35°N e 35°S, correspondendo às

linhas isotérmicas dos 10ºC de janeiro/junho (Christophers,

1960). No entanto, se por um lado a ideia de que a replica-

ção viral no vetor, assim como o desenvolvimento das formas

larvares dos mosquitos, possam vir a ser acelerados face a um

aumento da temperatura ambiental, por outro este efeito

"potenciador" na transmissão de arbovírus poderá ser par-

cialmente suprimido se o aumento da temperatura conduzir

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