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A n a i s d o I HM T

Portugal, mais de 95% das estirpes de

L. infantum

isoladas de

casos autóctones foram identificados como sendo do zimo-

deme MON-1 [Campino et al, 2006]. Contudo, nos últimos

anos têm sido identificadas em doentes imunocomprome-

tidos estirpes híbridas de duas espécies filogeneticamente

divergentes, nomeadamente

L. infantum

e

L. major

.

L. major

é

uma espécie responsável pela leishmaniose cutânea autócto-

ne do Norte de África e Médio Oriente.

O objetivo desta publicação é atualizar o cenário da infeção

por

Leishmania

em Portugal desde o início do século XXI.

Num estudo efetuado por Serrada [2010] foram referidos

375 doentes internados com leishmaniose visceral nos hos-

pitais do continente (183 infetados peloVIH ou sida, 32 com

outras patologias imunossupressoras que nãoVIH, 140 imu-

nocompetentes e vinte com situação imunitária desconhe-

cida) num intervalo de dez anos, entre 1999-2009. Cento

e vinte e três dos casos foram diagnosticados em indivíduos

com idades compreendidas entre os 0 e os 20 anos. Em igual

período de tempo foram diagnosticados laboratorialmente,

no Laboratório de Leishmanioses do IHMT, 173 novos casos

de LV humana, 66 dos quais em indivíduos imunocompe-

tentes (46 crianças e 20 adultos) e 107 em adultos imuno-

comprometidos [Campino & Maia, 2010]. Nos últimos cinco

anos (2010-2014) foram diagnosticados 26 casos de LV, 11

em indivíduos imunocompetentes e 15 em indivíduos imu-

nodeprimidos e seis casos de LC. Estes resultados sugerem

uma diminuição na incidência da leishmaniose no país, quer

nos doentes imunocompetentes como nos imunocompro-

metidos. Desde a introdução da terapêutica anti-retroviral

de alta potência, década de noventa, que o número de infe-

ções oportunistas diminuíram, contudo em Portugal a dimi-

nuição do número de casos verificou-se alguns anos depois

do que foi verificado nos outros países europeus. Embora

desde o início do século contemos com cerca de duas cen-

tenas de casos da leishmaniose visceral diagnosticados no

nosso Laboratório, em relação à LC o número ronda as duas

dezenas. Os casos da forma cutânea da doença, autóctone,

apresentaram-se de evolução benigna com exceção de três

casos recidivantes graves em doentes diabéticos.

Apesar de Portugal ser um país onde a leishmaniose humana

é hipoendémica, a prevalência de leishmaniose canina é ele-

vada. De facto, os resultados obtidos pela equipa do IHMT

nos vários inquéritos epidemiológicos caninos realizados

desde o início da década de 80 em várias regiões do conti-

nente, demostram a alta endemicidade da infeção na popula-

ção canina. Mais recentemente, e no âmbito do Observató-

rio Nacional das Leishmanioses (

www.onleish.org

) realizou-

-se em 2009 o primeiro rastreio a nível nacional, tendo-se

obtido uma seroprevalência global de 6,3%, com prevalên-

cias superiores a 12% nos distritos de Castelo Branco, Beja e

Portalegre [Cortes et al, 2012].

O papel dos gatos na epidemiologia da leishmaniose tam-

bém tem sido alvo de estudo. Nos primeiros dois inquéritos

epidemiológicos realizados em Portugal, ambos na Região

Metropolitana de Lisboa, a deteção de DNA de

L. infantum

no sangue periférico variou entre 20,3% e 30,4% [Maia et

al, 2008; 2010]. Estudos mais recentes abrangendo todo o

território continental mostraram prevalências de 0,3% no

Norte e Centro [Vilhena et al, 2013] e 9,9%, no Sul [Maia

et al, 2014]. Para além da presença do parasita em circulação

e de anticorpos específicos [Cardoso et al, 2010; Maia et al,

2015a], vários casos clínicos de leishmaniose felina têm sido

reportados [Marcos et al, 2009; Sanchez et al, 2011; Maia

et al, 2013; Pimenta et al, 2015], sugerindo a importância

dos gatos domésticos no ciclo de transmissão do parasita e

alertando para a necessidade de implementação de medidas

de controlo da infeção nestes hospedeiros [Maia & Campino,

2011].

Já neste século XXI foram realizados vários inquéritos fle-

botomínicos no Centro e Sul de Portugal (Fig. 2), tendo-se

encontrado

P. ariasi

e

P. perniciosus

infetados com

L. infantum.

[Maia et al, 2009; 2013; Branco et al, 2013].Várias espécies

do género

Sergentomyia

são comprovadamente vectoras de

Sauroleishmania

sp., mas a deteção de espécies de

Leishmania

patogénicas em

Sergentomyia

sp. capturadas em vários países

endémicos de leishmaniose humana, sugerem a importância

destes flebotomíneos na manutenção e transmissão dos para-

sitas. Em Portugal, DNA de

Leishmania

sp. e da espécie

L.ma-

jor

foi encontrado em fêmeas

Sergentomyia minuta

capturadas

no sul do país, revelando grande proximidade genética ao

DNA de parasitas isolados em casos de leishmaniose canina

e humana [Campino et al, 2013; Maia et al, 2015b].

Os dados obtidos nos últimos anos revelam que Portugal

continua a ser um país endémico de leishmaniose e as preva-

lências de infeção em cães e gatos é uma séria preocupação

para o aumento do número de casos e disseminação desta

parasitose. A notificação oficial dos casos clínicos humanos

cutâneos e viscerais e a realização de inquéritos epidemioló-

gicos tanto nos reservatórios como nos vetores de

Leishmania

é fundamental, uma vez que o aumento da migração e turis-

mo elevam o risco de introdução e disseminação de infeções

por espécies de

Leishmania

que não são endêmicas. O desen-

volvimento de redes epidemiológicas nacionais e internacio-

nais que promovam a vigilância e o controlo desta parasitose

irão contribuir para uma redução significativa e sustentável

da prevalência/incidência tanto das leishmanioses humanas

como animais.

Agradecimentos:

À Profª Doutora Maria Odete Afonso, à Doutora Sofia Cor-

tes e ao Mestre José Manuel Cristóvão pela colaboração nos

diversos estudos realizados e revistos nesta publicação. C.

Maia (SFRH / BPD / 44082/2008) é bolseira da Fundação

para a Ciência e Tecnologia, Ministério da Ciência,Tecnolo-

gia e Ensino Superior, Portugal.