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Tema 4

MEDICINA DO VIAJANTE: IMPORTÂNCIA E CONCEITOS

NUNO MARQUES *

/

**

JORGE SEIXAS *

ROSA TEODÓSIO *

JORGE ATOUGUIA

*

* Unidade de Ensino e Investigação de Clínica das Doenças Tropicais, Instituto de Higiene e Medicina

Tropical, Universidade Nova de Lisboa.

E-mail

:

JMA@ihmt.unl.pt

(Jorge Atouguia).

** Hospitais da Universidade de Coimbra.

O nosso organismo é uma máquina quase

perfeita. Quando saudáveis, conseguimos ter uma

excelente capacidade de adaptação a condições

climatéricas diversas e a diferentes hábitos

alimentares e sociais. Por outro lado, a habituação

às condições que nos rodeiam no nosso dia-a-dia

limita a nossa capacidade de resposta às situações

novas em novos ambientes. Estes novos ambientes

são novas áreas geoclimáticas, locais com doenças

endémicas transmissíveis, com melhor ou pior

saneamento básico, com doenças transmitidas por

insetos, com bons ou maus serviços de saúde, com

riscos específicos de segurança, fatores favoráveis

ao contacto e desenvolvimento de novas doenças.

Seja qual for o ambiente novo, necessitamos de

tempo para nos adaptarmos. Infelizmente, muitas

dessas novas doenças não nos dão esse tempo.

Temos, portanto, que as prevenir.

Historicamente, poder-se-á considerar que a

Medicina do Viajante surge com as grandes

expedições terrestres no continente africano

durante o século XIX. Muito mudou nesta área

médica desde que exploradores como Livingstone,

Stanley, Serpa Pinto, Capelo e Ivens, entre outros

viajantes, realizaram as suas expedições que

seriam, atualmente, consideradas viagens de alto

risco. Numa época em que as únicas medidas

preventivas se limitavam à imunização para a

varíola, à quimioprofilaxia da malária com quinino

e à fervura da água, eram frequentes os casos de

óbito nos membros das expedições, em

percentagens consideráveis, por

patologia

infeciosa tropical, especialmente por malária e

infeções entéricas.

Em Portugal, país com forte passado colonial, o

aconselhamento pré-viagem surge intimamente

ligado ao ensino da Medicina Tropical, na Escola

Naval, em Lisboa, desde finais do século XIX e,

posteriormente, na Escola de Medicina Tropical,

fundada em 1902 e transformada em 1935 no

Instituto de Medicina Tropical de Lisboa. Contudo,

apenas nos finais dos anos 90 do século passado,

acompanhando a tendência internacional para a

individualização e acreditação desta área da

Medicina, foi implementada, neste instituto, uma

consulta estruturada e autónoma de Medicina do

Viajante. Na mesma altura, assistiu-se ao

aparecimento de múltiplas Consultas do Viajante

noutros centros hospitalares de norte a sul do país,

destacando-se,

pela

sua

importância

e

posicionamento estratégico, as Consultas do

Viajante dos Hospitais da Universidade de

Coimbra e do Serviço de Sanidade Internacional da

Região Norte.

Nestes últimos 20 anos, o incremento

exponencial do tráfego de passageiros em rotas

intercontinentais para regiões de

clima

tropical/subtropical contribuiu para aumentar

substancialmente os riscos de propagação

geográfica de doenças transmissíveis, pelo que a

identificação de grupos de risco e a recomendação

de medidas preventivas são essenciais para

diminuir o número de viajantes que adoecem

durante ou após a viagem e evitar a introdução ou

reintrodução de novas ou velhas doenças no país de

destino ou de regresso. A globalização das doenças

infeciosas, além de originar riscos para a saúde

pública, pode interferir no tráfego e comércio

mundiais, com consequências económicas

negativas (Hosseini

et al.

, 2010).

São múltiplos os contextos e tipos de viagem

(lazer, aventura, laboral, movimentos migratórios

voluntários ou não, visita a familiares e/ou amigos,

doença, ajuda humanitária e/ou religiosa, entre

outros), pelo que a recolha adequada de informação

detalhada sobre as suas características e a

identificação dos grupos de risco deverão constituir

o primeiro passo do clínico para o aconselhamento

e preparação do viajante para uma viagem que se

pretende que decorra sem intercorrências e de