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A n a i s d o I HM T

Seis pessoas foram detidas e colocadas em isolamento em

Conacri depois de transportarem num táxi o corpo de um

familiar que morreu de Ébola. O caso aconteceu em maio.

De acordo com as agências de notícias, os seis disfarçaram

o cadáver altamente contagioso com uma t-shirt, calças de

ganga e óculos de sol e levaram-no amparado no táxi. Será

que lavaram bem as mãos antes e depois de pegarem no cor-

po? A pergunta é irónica, mas a verdade é que se tornou

difícil encontrar alguém nesta região de África, mesmo nos

meios mais remotos, que não saiba a lengalenga de medidas

de prevenção repetida vezes sem conta nos meios de comu-

nicação social e pelos líderes de opinião para travar o Ébola.

O caso do táxi dá que pensar: uma lengalenga de boas práti-

cas recitada de cor e salteado, mas quantas vezes pensada?

Estávamos em Boké, na Guiné-Conacri, na manhã de sexta-

feira, 08 de agosto de 2014, quando a Organização Mundial

de Saúde (OMS) declarou o contágio como uma "emergên-

cia mundial de saúde". Fomos contactados várias vezes ao

longo do dia para relatar em direto como estava a situação

no país onde a epidemia eclodiu. O Mundo estava alarmado

com o Ébola, mas ao contrário do que se poderia pensar, a

vida em Boké e em Conacri (a capital) fazia-se com a mesma

normalidade de sempre.

A normalidade na Guiné-Conacri é feita de ruas cheias de

gente, mercados a fervilhar de vida, trânsito, confusão,

como em tantas outras partes do mundo, mas com uma dose

acrescida de miséria em todos os cantos. Conversámos com

várias pessoas e ouvimos diversos relatos. A maioria vive na

pobreza e muitos passam por pequenas tragédias para conse-

guir chegar à manhã seguinte. Um vírus que quase de certeza

provoca a morte é apenas mais uma contrariedade. Contas

feitas, de acordo com dados de 2012 da Organização Mun-

dial de Saúde, morre-se mais facilmente por causa de água

inquinada que provoca diarreias ou por causa de uma picada

de um determinado tipo de mosquito que provoca Malária

do que por causa de Ébola.

A rede de serviços básicos, quando existe, é tão débil que já

aconteceu dizerem-nos que determinada pessoa morreu de

soluços, à falta de melhor diagnóstico… Por mais informação

que haja, sem desenvolvimento que fortaleça os serviços bá-

sicos à população, tudo corre o risco de se transformar numa

lengalenga que até pode ser seguida, mas não ponderada.

O vírus nunca chegou à Guiné-Bissau. No país lusófono não

há estruturas de saúde à altura das necessidades da popula-

ção, muito menos para enfrentar com confiança uma ameaça

como a do Ébola. Mas há população que decora os conselhos

difundidos pelas rádios onde se inclui a vigilância da comu-

nidade. De acordo com relatos que recolhemos junto dos

delegados regionais de Saúde, houve pessoas quase manti-

das em prisão preventiva numa aldeia de Bafatá (centro do

país) depois de os vizinhos saberem que tinham regressado

da Guiné-Conacri. O mesmo se passou ao longo do ano em

Bissau e em Gabú, principal cidade do Leste, próximo da

fronteira com a Guiné-Conacri. É pouco claro se os viajantes

tinham sintomas.Vieram do território do Ébola e foi quanto

bastou para a vizinhança os cercar e pedir que fossem exami-

nados por técnicos de saúde. Excesso de zelo? Perguntem ao

taxista de Conacri.

Vidas feitas de tragédias e o Ébola é só mais uma

Lives made of tragedy; Ebola being just one more

Luís Fonseca

Jornalista

Chefe de delegação da Agência Lusa na Guiné-Bissau

An Inst Hig MedTrop,Volume 14: 67

Comunicação e

os Media