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A n a i s d o I HM T

Começou por ser um relato pouco credível: a filha mais nova

do melhor amigo do meu pai, e outrora minha colega de

escola, tinha morrido e ainda não se sabia muito bem de quê.

"Mas morrido como?" "Malária, parece", responderam-me.

"Mas malária como?" Uma jovem, que ainda há pouco tem-

po trabalhava em Oeiras...morre de malária? Não podia ser.

Mas foi. Faz agora pouco mais de um ano.

Fiz muitas perguntas. Recebi poucas respostas, ainda assim,

suficientes para escrever uma notícia que não imaginava ser

possível num país europeu do século XXI. Na edição de 6 de

setembro de 2014, foi publicada no Expresso com o título

"Malária volta a preocupar em Portugal". Porquê? "O cres-

cente número de portugueses que estão a sair para trabalho

ou lazer em África está a fazer disparar a 'imigração' da doen-

ça. Prevenção tem sido descurada. Internamentos aumenta-

ram 60% em três anos". Elisabete não fez sequer parte desta

estatística, morreu antes de conseguir voltar a casa.

Tinha 39 anos e foi um dos muitos portugueses que tiveram

de 'bater com a porta' para encontrar uma saída. O cami-

nho revelar-se-ia curto. Um mês e meio depois de chegar a

Luanda, para trabalhar num hotel emTalatona, foi morta por

um mosquito. Sentiu febre numa segunda-feira e morreu na

terça-feira da semana seguinte.

Elisabete julgou que o paracetamol que levara de Portugal

trataria do resfriado, atribuído ao ar condicionado no local

de trabalho. Contou à irmã mais velha que já tinha ido ao

médico e feito o teste da malária, mas que nada acusara. Sem

melhoras e sob insistência de colegas, voltou à clínica ao ter-

ceiro dia de febre. A comunidade ainda se mobilizou para a

ajudar, dando-lhe sangue, mas o esforço foi em vão. Saiu da

unidade médica sem vida. O corpo chegou a Lisboa 15 dias

depois.

Quem morre fora de Portugal não entra nos registos nacio-

nais e, muitas vezes, nem nos ficheiros dos serviços diplo-

máticos. A morte de Elisabete, e outras que têm ocorrido,

consta apenas como uma

trasladação.As

sucessivas tentativas

de contacto que fiz, por vários meios, de pouco serviram:

somente para ficar a saber que o Ministério dos Negócios

Estrangeiros, a Secretaria de Estado das Comunidades Por-

tuguesas e vários consulados não sabem quantos portugueses

são mortos pela malária.

A falta de informação ficou sem explicação credível, mais

não seja porque em Portugal tanto o mosquito como a doen-

ça não estão esquecidos. Há vigilância epidemiológica, há

consultas para os viajantes, compra-se quimioprofilaxia: a

um ritmo de 200 embalagens, em média, por dia (segundo

dados da consultora IMS relativos a 2013). Há quem diga

que mesmo isto não chega e que é preciso olhar para a ma-

lária como uma ameaça e não com uma doença do passa-

do - que em 1958 a Organização Mundial da Saúde (OMS)

anunciou estar erradicada do país. Mesmo que 'por portas e

travessas', ela parece estar de volta.

Há um ano, Marina Ramos, médica da Divisão de Epidemio-

logia e Estatística da Direção-Geral da Saúde, afirmava que

Morta por um mosquito

Killed by a mosquito

Vera Lúcia Arreigoso

Jornalista no jornal Expresso

Comunicação e

os Media

An Inst Hig MedTrop,Volume 14: 65- 66