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Introdução

O mundo mudou profundamente desde que a cooperação

para o desenvolvimento (CD) se iniciou há mais de 60 anos,

na sequência do final da segunda grande guerra, quando os

Estados Unidos assumiram o primeiro grande projeto de

Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), contribuindo

para a reconstrução da Europa devastada pela Guerra. [1]

Assistimos hoje a um cenário de CD mais complexo, com

múltiplos atores estatais e não estatais. Falamos em novos

conceitos como cooperação sul-sul (CSS) e cooperação

triangular (CT), sendo que o mundo compreendeu que se

torna necessário focar a atenção na eficácia da ajuda para

abraçar os desafios de um desenvolvimento verdadeiramen-

te eficaz. Desde a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento

do Milénio (ODM), em 2000, os países doadores procuram

melhorar a ajuda prestada, reestruturando políticas de coo-

peração, para que as metas estabelecidas para 2015 sejam

alcançadas. Marcados por um consenso internacional sobre

a importância da eficácia da ajuda, tiveram lugar uma série

de eventos de alto nível que sugerem novas abordagens de

apoio ao desenvolvimento, dos quais se salientam os encon-

tros de Monterrey (2002), Roma (2003), Paris (2005) [2],

Acra (2008) [3] e Busan (2011) [1].

Desde que abraçou o desafio democrático emAbril de 1974,

PT iniciou o caminho da ajuda ao desenvolvimento, reve-

lando uma preocupação sobre o relacionamento com as an-

tigas colónias, agora Estados independentes. Em 1991 com

a adesão ao Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD),

passa efetivamente à condição de país doador, sendo-lhe re-

conhecido um importante papel na relação com os PALOP.

Ao longo das últimas décadas, o pensamento por detrás das

atividades de apoio ao desenvolvimento, o dispositivo da

cooperação portuguesa, bem como os seus atores foram-se

alterando e submetendo a um mundo em constante mudan-

ça. PT tem participado e acompanhado a discussão sobre a

eficácia da ajuda, assumindo compromissos internacionais.

[4] Documentos como

Uma visão estratégica para a cooperação

portuguesa

(2006) norteiam o caminho, marcado recente-

mente pela criação do

Camões - Instituto da Cooperação e da

Língua

(CICL), procurando assegurar a coordenação daAPD,

a supervisão e a direção da política de cooperação, mantendo

a convicção anterior de que a CD é uma prioridade da políti-

ca externa portuguesa, pautada por valores de solidariedade

e de respeito pelos direitos humanos.[5]

A EvD surge no contexto da cooperação portuguesa na se-

quência dos Acordos Gerais de Cooperação e Amizade, [6,7]

celebrados em 1976, entre PT e as antigas colónias. Nestes

fica expresso que PT prestará, dentro do seu alcance, assis-

tência financeira, técnica e cultural às antigas colónias, tendo

por base laços de amizade e solidariedade. Perante a realida-

de de existirem, naqueles países, doentes que não encontra-

vam ali solução para os seus problemas de saúde, foi solicita-

da assistência a PT. Nascem assim os Acordos no Domínio da

Saúde que regulamentam a EvD, tendo sido assinados com

todos os PALOP entre 1977 e 1992. [8,9] Estes mantêm-

-se em vigor, parecendo resistir ao passar das décadas e às

mudanças e adaptações vividas pela cooperação portuguesa.

Pela Circular Normativa nº04/DCI de 16 de Abril de 2004,

ficaram claramente definidas as responsabilidades de PT e as

de cada um dos PALOP, bem como os diferentes circuitos de

receção de doentes e os compromissos em relação ao núme-

ro de evacuações anuais possíveis ao abrigo dos acordos de

cooperação. [10] Nos PALOP existem também normativos

sobre como e por que razões se deve recorrer à EvD.

Embora com características distintas, CV e GB são os países

de onde provém mais doentes evacuados anualmente.

Segundo dados do IPAD [11], de 2003 a 2008 foi investi-

do um total de 45.812.111€ em projetos de saúde, dos

quais 14.656.706€, ou seja 32%, foram gastos com a GB

e 11.264.304€, ou seja 24,6%, com CV. Do total investido

em projetos de saúde, 31.127.529€, ou seja 67,95 %, foram

aplicados em

Serviços médicos – evacuação de doentes

.

De acordo com dados da DGS não publicados, em 2011, de

um total de 808 doentes evacuados, 413 foram provenientes

de CV e 192 da GB. O custo médio por doente de CV foi de

6.053,27€, ao passo que de GB foi de 4.166,67€. No mes-

mo ano foram evacuados para hemodiálise um total de 148

doentes, sendo 127 provenientes de CV a um custo médio

por doente de 24.546€.

Segundo a mesma fonte, em 2010 registou-se um total de

984 evacuações, sendo que 41% dos doentes provinham da

GB e 39% de CV. As especialidades mais procuradas foram

Ortopedia (12% dos casos), Cardiologia (10% dos casos),

Oftalmologia (11% dos casos) e Ginecologia e Neurologia

(7% dos casos). Foram evacuados um total de 55 doentes

para hemodiálise, num investimento total para o Estado

Português de 1.567.107,40€. Deste total, 34 doentes provi-

nham de CV, num investimento total de 968.757,92€.

Importa salientar que por detrás de cada evacuação está uma

história de vida. Está descrita a dificuldade em alojar os des-

locados e em garantir-lhes condições dignas de vida durante

os tratamentos, não sendo plenamente aplicada a norma em

vigor. À data de alta nem todos cumprem o previsto e há

quem não regresse ao país de origem. [12] Em documentos

de índole jornalística, e noutros de caráter científico, é des-

crita a realidade de incumprimento das normas existentes,

em qualquer uma das etapas do processo de EvD.

Há ainda a considerar que muitos doentes são evacuados à

margem dos acordos de cooperação, fazendo o circuito de

entrada em PT para tratamento pelos seus próprios meios,

chegando aos hospitais do SNS português procurando res-

postas que não encontram nos seus países. [13] Histórias de

vida tantas vezes marcadas pelo sofrimento, pelo choque

da chegada a um país desconhecido, carregando o fardo da

doença e dos parcos apoios para fazer frente aos desafios de

cada dia. [14]

Se por um lado o investimento dos Estados envolvidos é

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