38
OVírus da Imunodeficiência Humana
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) foi reco-
nhecida pela primeira vez como uma nova doença em mea-
dos de 1981, em São Francisco nos EUA, quando se obser-
vou que um número elevado de indivíduos adultos do sexo
masculino, homossexuais jovens, apresentavam sarcoma
de Kaposi, pneumonia por Pneumocystis carinii e estavam
imunodeprimidos [1]. O vírus da imunodeficiência humana
do tipo 1 (VIH-1), isolado dois anos depois, foi identificado
como o agente causador da SIDA, que se tornou numa das
doenças infeciosas recentes mais devastadores [2, 3]. Atual-
mente, já foram infetados pelo VIH-1 aproximadamente 60
milhões de indivíduos e ocorreram mais de 25 milhões de
mortes [4]. Os países do continente africano em desenvol-
vimento são os mais afetados pela infeçãoVIH/SIDA, e é na
África subsariana que se registam taxas de prevalência mais
elevadas nos adultos jovens.
Em 1986, com a colaboração de três médicos investiga-
dores do IHMT – José Luís Champalimaud, Jaime Nina e
Kamal Mansinho – e da investigadora da Faculdade de Far-
mácia da Universidade de Lisboa Odette Santos-Ferreira,
foi descrito o isolamento de um segundo tipo de vírus que
também causava a SIDA, oVIH-2, a partir de dois doentes,
um dos quais oriundo da Guiné-Bissau e internado na al-
tura no Hospital de Egas Moniz [5]. A associação doVIH-2
a esta região de África foi feita com base na descrição de
vários indivíduos tratados e seguidos no Hospital de Egas
Moniz em Lisboa, que indicava que nesta região um nú-
mero significativo de casos de SIDA eram causados pelo
VIH-2 [6]. Rapidamente se tornou evidente que a) as duas
infeções correspondiam a epidemias diferentes com ori-
gens zoonóticas independentes, e que estavam associadas a
grupos de risco e regiões geográficas diferentes e b) que a
infeção por VIH-2 era caraterizada por uma progressão da
doença bastante mais lenta do que a infeção por VIH-1. A
maioria dos indivíduos infetados por VIH-2 não apresenta-
vam carga viral detetável no plasma.
A origem doVIH
OVIH-1 foi transmitido aos humanos a partir dos chimpan-
zés e, evolutivamente, está relacionado de forma mais pró-
xima com o SIVcpz (Simmian ImmunodeficiencyVirus) que
infecta
Pan troglodytes troglodytes
, uma subespécie de chim-
panzés que habita a África Central. De acordo com resulta-
dos de um estudo publicado na revista Science, que contou
com a colaboração do investigador do IHMT João Diniz Sou-
sa, a origem do vírus remonta à bacia do Congo e o cresci-
mento inicial da epidemia parece ter ocorrido em Kinshasa
[7]. OVIH-2 por outro lado, apresenta-se mais próximo do
SIVsmm, que infecta sooty mangabeys (
Cercocebus atys
) que
habitam a África Ocidental [8].
Em ambos os casos, a transmissão para os humanos e o
crescimento exponencial de ambas as epidemias parece es-
tar associado às alterações sociais múltiplas que ocorreram
no início e meados do século XX naquelas regiões e mais
tarde à exportação de algumas estirpes para outros locais e
continentes, em que consequentemente surgiram novas epi-
demias [7]. Em particular, no que diz respeito à origem do
VIH-2, num estudo publicado em 2003 por vários investiga-
dores do IHMT – Perpétua Gomes, Ana Abecasis e Ricardo
Camacho - foi demonstrado que a adaptação bem-sucedida
à espécie humana e o início da epidemia estarão associados
à transmissão parentérica do vírus em campanhas de imu-
nização e tratamento que ocorreram na altura da guerra da
independência na Guiné-Bissau [9].
Epidemiologia molecular doVIH
As dimensões epidémicas são muito diferentes quando com-
paramos estes dois vírus: o VIH-2 infecta cerca de 1.2 mi-
lhões de pessoas, sobretudo na África Ocidental, na Índia e
em menor extensão na Europa (Portugal e França). OVIH-1
causa uma pandemia global com aproximadamente 31 mi-
lhões de pessoas infetadas em todo o mundo. Clinicamen-
te, o VIH-2 é menos patogénico para os humanos do que o
VIH-1, e os doentes apresentam cargas virais mais baixas e
uma progressão da doença mais lenta antes da evolução para
SIDA.
A partir da bacia do Congo, oVIH-1 disseminou-se por todo
o mundo, acumulando um grau de variabilidade genética bas-
tante elevada. Assim, formaram-se 9 subtipos de VIH-1 ditos
puros (A, B, C, D, F, G, H, J e K), ou seja que resultam de
histórias evolutivas independentes a partir de um ancestral co-
mum [10]. Pensa-se que a formação de clusters independentes
nos diferentes subtipos seja o resultado por um lado de efeitos
fundadores, resultantes da exportação de determinados sub-
tipos a partir da África Ocidental para outras regiões geográ-
ficas com acumulação de diversidade genética subsequente; e
por outro lado do facto de não haver uma amostragem com-
pleta de todas as estirpesVIH circulantes, particularmente de
todas as estirpes deVIH que circularam no início da epidemia
e que portanto não estão disponíveis para análise [11].
Ainda relativamente à origem dos diferentes subtipos, pensa-
-se por exemplo que oVIH-1 subtipo B, que causa um maior
número de infeções em países desenvolvidos, descende de
uma estirpe de subtipo D que foi exportada para o Haiti nos
anos 60, tendo sido depois exportada para os Estados Unidos
da América (E.U.A.), onde iniciou a primeira epidemia do
vírus em Homens que têm Sexo com Homens (HSH) [12].
Enquanto para o subtipo B esta história evolutiva é conhecida
com maior pormenor, diferentes estudos sugerem que para
os subtipos não-B a sua ‘especiação’ também ocorreu após a
exportação de estirpes ancestrais desses subtipos para outros
locais fora da bacia do Congo.
Artigo Original