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OVírus da Imunodeficiência Humana

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) foi reco-

nhecida pela primeira vez como uma nova doença em mea-

dos de 1981, em São Francisco nos EUA, quando se obser-

vou que um número elevado de indivíduos adultos do sexo

masculino, homossexuais jovens, apresentavam sarcoma

de Kaposi, pneumonia por Pneumocystis carinii e estavam

imunodeprimidos [1]. O vírus da imunodeficiência humana

do tipo 1 (VIH-1), isolado dois anos depois, foi identificado

como o agente causador da SIDA, que se tornou numa das

doenças infeciosas recentes mais devastadores [2, 3]. Atual-

mente, já foram infetados pelo VIH-1 aproximadamente 60

milhões de indivíduos e ocorreram mais de 25 milhões de

mortes [4]. Os países do continente africano em desenvol-

vimento são os mais afetados pela infeçãoVIH/SIDA, e é na

África subsariana que se registam taxas de prevalência mais

elevadas nos adultos jovens.

Em 1986, com a colaboração de três médicos investiga-

dores do IHMT – José Luís Champalimaud, Jaime Nina e

Kamal Mansinho – e da investigadora da Faculdade de Far-

mácia da Universidade de Lisboa Odette Santos-Ferreira,

foi descrito o isolamento de um segundo tipo de vírus que

também causava a SIDA, oVIH-2, a partir de dois doentes,

um dos quais oriundo da Guiné-Bissau e internado na al-

tura no Hospital de Egas Moniz [5]. A associação doVIH-2

a esta região de África foi feita com base na descrição de

vários indivíduos tratados e seguidos no Hospital de Egas

Moniz em Lisboa, que indicava que nesta região um nú-

mero significativo de casos de SIDA eram causados pelo

VIH-2 [6]. Rapidamente se tornou evidente que a) as duas

infeções correspondiam a epidemias diferentes com ori-

gens zoonóticas independentes, e que estavam associadas a

grupos de risco e regiões geográficas diferentes e b) que a

infeção por VIH-2 era caraterizada por uma progressão da

doença bastante mais lenta do que a infeção por VIH-1. A

maioria dos indivíduos infetados por VIH-2 não apresenta-

vam carga viral detetável no plasma.

A origem doVIH

OVIH-1 foi transmitido aos humanos a partir dos chimpan-

zés e, evolutivamente, está relacionado de forma mais pró-

xima com o SIVcpz (Simmian ImmunodeficiencyVirus) que

infecta

Pan troglodytes troglodytes

, uma subespécie de chim-

panzés que habita a África Central. De acordo com resulta-

dos de um estudo publicado na revista Science, que contou

com a colaboração do investigador do IHMT João Diniz Sou-

sa, a origem do vírus remonta à bacia do Congo e o cresci-

mento inicial da epidemia parece ter ocorrido em Kinshasa

[7]. OVIH-2 por outro lado, apresenta-se mais próximo do

SIVsmm, que infecta sooty mangabeys (

Cercocebus atys

) que

habitam a África Ocidental [8].

Em ambos os casos, a transmissão para os humanos e o

crescimento exponencial de ambas as epidemias parece es-

tar associado às alterações sociais múltiplas que ocorreram

no início e meados do século XX naquelas regiões e mais

tarde à exportação de algumas estirpes para outros locais e

continentes, em que consequentemente surgiram novas epi-

demias [7]. Em particular, no que diz respeito à origem do

VIH-2, num estudo publicado em 2003 por vários investiga-

dores do IHMT – Perpétua Gomes, Ana Abecasis e Ricardo

Camacho - foi demonstrado que a adaptação bem-sucedida

à espécie humana e o início da epidemia estarão associados

à transmissão parentérica do vírus em campanhas de imu-

nização e tratamento que ocorreram na altura da guerra da

independência na Guiné-Bissau [9].

Epidemiologia molecular doVIH

As dimensões epidémicas são muito diferentes quando com-

paramos estes dois vírus: o VIH-2 infecta cerca de 1.2 mi-

lhões de pessoas, sobretudo na África Ocidental, na Índia e

em menor extensão na Europa (Portugal e França). OVIH-1

causa uma pandemia global com aproximadamente 31 mi-

lhões de pessoas infetadas em todo o mundo. Clinicamen-

te, o VIH-2 é menos patogénico para os humanos do que o

VIH-1, e os doentes apresentam cargas virais mais baixas e

uma progressão da doença mais lenta antes da evolução para

SIDA.

A partir da bacia do Congo, oVIH-1 disseminou-se por todo

o mundo, acumulando um grau de variabilidade genética bas-

tante elevada. Assim, formaram-se 9 subtipos de VIH-1 ditos

puros (A, B, C, D, F, G, H, J e K), ou seja que resultam de

histórias evolutivas independentes a partir de um ancestral co-

mum [10]. Pensa-se que a formação de clusters independentes

nos diferentes subtipos seja o resultado por um lado de efeitos

fundadores, resultantes da exportação de determinados sub-

tipos a partir da África Ocidental para outras regiões geográ-

ficas com acumulação de diversidade genética subsequente; e

por outro lado do facto de não haver uma amostragem com-

pleta de todas as estirpesVIH circulantes, particularmente de

todas as estirpes deVIH que circularam no início da epidemia

e que portanto não estão disponíveis para análise [11].

Ainda relativamente à origem dos diferentes subtipos, pensa-

-se por exemplo que oVIH-1 subtipo B, que causa um maior

número de infeções em países desenvolvidos, descende de

uma estirpe de subtipo D que foi exportada para o Haiti nos

anos 60, tendo sido depois exportada para os Estados Unidos

da América (E.U.A.), onde iniciou a primeira epidemia do

vírus em Homens que têm Sexo com Homens (HSH) [12].

Enquanto para o subtipo B esta história evolutiva é conhecida

com maior pormenor, diferentes estudos sugerem que para

os subtipos não-B a sua ‘especiação’ também ocorreu após a

exportação de estirpes ancestrais desses subtipos para outros

locais fora da bacia do Congo.

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