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A n a i s d o I HM T
A infeção VIH em Portugal, na Europa
e em países africanos de língua oficial
portuguesa
Nos últimos 25 anos, a nossa instituição tem estado en-
volvida na caraterização da história evolutiva e diversidade
genética da pandemia VIH. O primeiro estudo foi publi-
cado por uma equipa que incluía Kamal Mansinho e José
Luís Champalimaud em 1989, altura em que foi clonado
o isolado VIH-2CAM2. Recorrendo a mapas de restrição,
observou-se que este isolado diferia em 7 dos 22 locais já
descritos para o isolado de referência, o VIH-2ROD [13].
A partir de 2000, foram publicados vários artigos pelos
investigadores Aida Esteves, Ricardo Parreira, João Pie-
dade, Ana Abecasis, Ricardo Camacho, Perpétua Gomes
e Anne-Mieke Vandamme, em que foi estudada e descrita
a diversidade genética do VIH-1 e do VIH-2 em Portugal,
Guiné-Bissau, Angola e Moçambique [14-17]. O último
destes estudos foi publicado em 2013, tendo sido descrita
a relação entre a prevalência dos diferentes subtipos VIH-1
na Europa e os fatores demográficos das populações atin-
gidas. Demonstrou-se a existência de um elevado grau de
compartimentalização das epidemias dos diferentes subti-
pos, com poucos cruzamentos de infeções entre doentes
de diferentes grupos de risco ou de diferentes países de
origem [18].
Em 2007, demostrámos que a epidemia VIH-1 em Portugal
era caracterizada por dois subtipos altamente prevalentes: o
subtipo B e o subtipo G [19].A co-circulação destes subtipos
desde muito cedo na história da epidemiaVIH em Portugal,
juntamente com o facto de haver uma elevada prevalência de
infeções por VIH-2, confere caraterísticas únicas à epidemia
VIH em Portugal, sobretudo quando nos comparamos com
outros países desenvolvidos, em que o subtipo B domina a
epidemia e foi o único subtipo a circular durante vários anos.
Este facto levou à formação desde muito cedo de formas cir-
culantes recombinantes entre os subtipos B e G, que circulam
até hoje em Portugal. Para o recombinante mais importante
– CRF14_BG – a história evolutiva e a origem foram estuda-
das e descritas em 2011 [20-22] por uma equipa que incluía a
investigadora Ana Abecasis.
Resistência aos fármacos
Depois dos primeiros anos da pandemia, em que a infeção
VIH-1 com evolução para SIDA era uma doença iminente-
mente fatal, em 1986 o tratamento da infeçãoVIH melhorou
drasticamente: resultados iniciais de ensaios clínicos demons-
traram que a azidotimidina (AZT), um fármaco previamente
utilizado para o tratamento do cancro, era eficaz para o tra-
tamento da infeção VIH [23]. Os doentes tratados com este
antirretroviral tinham um atraso significativo na progressão da
doença. No entanto, em 1989, Larder
et al
descreveram pela
primeira vez o isolamento de estirpes deVIH, colhidas a par-
tir de doentes tratados com AZT, com sensibilidade reduzida
ao fármaco [24]. Pouco tempo depois percebeu-se o significa-
do clínico destes achados: o desenvolvimento de resistências
à terapêutica antirretroviral, levava ao escape viral à pressão
seletiva dos fármacos e consequentemente à progressão da
doença. Estas variantes do vírus, resistentes a antirretrovirais,
adquirem determinadas mutações no genoma – mutações de
resistência aos antirretrovirais – que permitem que o vírus
continue a replicar-se, mesmo na presença do fármaco.
O rápido desenvolvimento de resistências aos antirretrovi-
rais não é surpreendente no contexto de um organismo de
evolução rápida como o VIH, em que as taxas de mutação e
recombinação são extremamente elevadas e o rápido turno-
ver celular contribuem para o elevado grau de diversidade
genética [25]. Assim, a terapêutica com um ou dois fármacos
não é suficientemente eficaz para controlar a replicação viral
por longos períodos de tempo. Nesse contexto, pelo menos
três fármacos diferentes, preferencialmente de classes dis-
tintas, são usados em combinação para manter uma elevada
pressão sobre o vírus.A resultante HAART (HighlyActiveAn-
tirRetroviral Therapy) é a estratégia utilizada atualmente para
melhor controlar a infeção e é extremamente eficaz. Existem
cinco classes de fármacos antirretrovirais que estão disponíveis
para o tratamento da infeção porVIH: os Inibidores Nucleósi-
dos daTranscriptase Reversa (INTRs), os Inibidores Não Nu-
cleósidos daTranscriptase Reversa (INNTRs), os Inibidores da
Protease (PIs), os Inibidores da Integrase (INIs) e os Inibidores
da Entrada (EIs).
A resistência aos fármacos antirretrovirais e as mutações de
resistência associadas foram extensivamente caracterizadas
depois da deteção dos primeiros casos. No entanto, uma vez
que nos primeiros anos da pandemia apenas circulava o sub-
tipo B nos países desenvolvidos, este tipo de estudos incidi-
ram inicialmente apenas nestas estirpes e os algoritmos de
interpretação de resistência aos antirretrovirais eram baseados
apenas em estudos realizados com estirpes do subtipo B. Es-
pecificamente para Portugal, em que o subtipo G já circulava
na população infetada quase desde o início da epidemia, eram
necessários outros estudos para melhor compreender o de-
senvolvimento de resistências em estirpes de subtipos não B.
Esses estudos foram desenvolvidos numa parceria do IHMT,
Hospital de Egas Moniz e Katolieke Universiteit Leuven por
Ana Abecasis, Anne-Mieke Vandamme e Ricardo Camacho.
Apesar de estudos subsequentes terem demonstrado que a
maioria das mutações de resistência são comuns aos diferentes
subtipos, tornou-se claro que algumas mutações surgem ape-
nas em determinados subtipos não B (ex. M89I/V, V106M) e
que as vias evolutivas para o desenvolvimento de resistências
divergem entre subtipos [26]. Essas diferenças parecem ser fa-
cilitadas por polimorfismos basais presentes nas estirpes wild-
-type dos diferentes subtipos.
É também importante compreender a resistência aos fárma-
cos no contexto das estirpes deVIH-2. Nem todos os antirre-