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Tema 2

DOENÇAS DA POBREZA, NEGLIGENCIADAS E EMERGENTES

RICARDO MANUEL SOARES PARREIRA (R. PARREIRA) *

/

**

LENEA MARIA DA GRAÇA CAMPINO (L. CAMPINO) ***

/

****

* Grupo de Virologia, Unidade de Ensino e Investigação de Microbiologia Médica, Instituto de Higiene e

Medicina Tropical (IHMT), Universidade Nova de Lisboa.

** Unidade de Parasitologia e Microbiologia Médicas (UPMM) / IHMT.

*** Unidade de Ensino e Investigação de Parasitologia Médica, Instituto de Higiene e Medicina Tropical,

Universidade Nova de Lisboa. Rua da Junqueira, 100, 1349-008 Lisboa, Portugal. Tel. : 21 3652600.

E-

mail

:

campino@ihmt.unl.pt

.

**** Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina, Universidade do Algarve. Estrada da Penha, 8005-

139 Faro, Portugal.

RESUMO

A designação “doenças negligenciadas e da pobreza” refere,embora

nem sempre com contornos bem definidos, um conjunto de doenças

que ocorrem, predominantemente, em países em desenvolvimento,as

quais infligem um enorme impacto na morbilidade e mortalidadedas

populações por elas atingidas. Ainda que, para algumas delas, não

existam medidas preventivas ou terapêuticas adequadas, a sua

persistência é, muito frequentemente, função de questões sociais e

económicas que permitem que os seus agentes etiológicos e os seus

eventuais vetores tirem partido do ambiente físico. No entanto, as

consequências que estas doenças têm nas populações humanas vão

para além dos seus efeitos diretos na saúde. De facto, elas aprisionam

os que são atingidos (normalmente as populações mais

desfavorecidas) num ciclo vicioso de pobreza, de desenvolvimento

deficitário na infância, impacto negativo nas taxas de fertilidade e

natalidade, e na produtividade dos que trabalham (Hotez

et al

.,2009).

As doenças negligenciadas ou esquecidas são causa da falta de

interesse das autoridades competentes, da total ausência ou de raros

investimentos que permitam a investigação e o desenvolvimento

conducentes à sua prevenção ou cura. Muitas destas doenças

continuam a não representar um investimento apetecível para as

empresas farmacêuticas e para governos.

Se, até ao princípio da década de 1980, a perspetiva

“erradicacionista” dominou a forma como a medicina olhava as

doenças infeciosas (Snowden, 2008), a descoberta da sida em 1981

incorporou tudo o que os erradicacionistas consideravamimpensável:

uma nova doença infeciosa para a qual não existia cura, que atingia

não só países em desenvolvimento mas também potências

industrializadas, e à qual se associava, frequentemente, uma série de

agentes patogénicos oportunistas. Um dos mais frequentemente

diagnosticados nas coinfeções é a bactéria

Mycobacterium

tuberculosis

, responsável por uma doença que, apesar de conhecida

pelo Homem desde há longa data - a tuberculose - é, nos dias de hoje,

uma doença reemergente, responsável por milhares de mortes,tanto

em países desenvolvidos como em países em vias de desenvolvimento.

Às doenças negligenciadas e da pobreza associam-se, então,

frequentemente, outras designadas de “emergentes” ou

“reemergentes”. O termo “emergente”, cunhado durante a décadade

1990 por Joshua Lederber, pretende incluir um conjunto de infeções

cuja incidência junto das populações humanas tem vindo a aumentar,

e se postula que assim continue a acontecer num futuro próximo

(Davis e Lederberg, 2000).

Se bem que algumas das doenças que abordaremos nas páginas que

se seguem prosperem em ambientes de conflito social e político,onde

as populações mais vulneráveis às infeções são também alvo de

descriminação, algumas delas têm, nos dias de hoje, um impacto não

negligenciável nos países ditos desenvolvidos. Tal facto éresultadode

um aspeto que domina o mundo na atualidade, a globalização, na

forma das movimentações em massa, voluntárias ou não, de bens e

pessoas, e que permitem uma expansão constante do

pool

genéticodos

agentes infeciosos, ao mesmo tempo que lhes garante acessoilimitado

a populações não imunizadas. Além da globalização, o crescimento

demográfico que assume, por vezes, contornos quase incontroladose

caóticos, ocorre, mais frequentemente do que não, em condiçõesque

se tornam um paraíso para os microrganismos e insetos que os

transmitem. Dele é consequência o desenvolvimento, muitas vezes

mal ou não-planeado, de megacidades onde se concentram vários

milhões de pessoas, uma porção considerável das quais vive em

condições de grande insalubridade, por vezes em contextosdepobreza

quase extrema, onde as infraestruturas, condições sanitárias e nível

educacional são também altamente deficitários. Por outro lado, a

intervenção humana no ambiente é fonte geradora de alterações na

dinâmica populacional dos agentes de infeções através da expansão,

perturbação ou criação de nichos ecológicos. Finalmente,asalterações

climáticas que se têm registado, especialmente na última década,têm

contribuído não só para alteração da sazonalidade do ponto de vista

temporal, mas também para a modificação dos limites geográficosdos

diferentes ambientes ecológicos.

Este capítulo será dedicado a um conjunto muito diversificado de

agentes patogénicos, os quais estão na origem de um conjunto não

menos diverso de doenças ditas da pobreza, negligenciadas e

emergentes. Nele estão incluídas infeções/doenças causadas por

geohelmintas e por outros helmintas, tais como as filaríases, e

schistosomose, por protozoonoses, tais como amebíase, giardíase,

criptosporidiose e outras infeções intestinais, leishmaniose,maláriae

tripanossomoses. De entre as patologias de origem bact eriana,eainda

que a cólera seja, talvez, aquela que melhor representa uma doençada

pobreza, espelho de condições de vida abaixo do limiar do

humanamente aceitável, destacaremos a leptospirose, a sífilis e a

tuberculose. Doenças provocadas por fungos, tais como micoses

oportunistas emergentes e micoses importadas tropicaise,finalmente,

doenças virais, como as causadas por vírus transmitidosporartrópodes

(arbovírus), por vírus entéricos causadores de diarreias, pelo vírusda

hepatite delta e pelo VIH, serão ainda foco de atenção ao longo das

próximas páginas.

TEMATIC SUMMARY

The term neglected and poverty-related diseases, despitenotbeing

clearly defined, is usually regarded as synonym of a group of illnesses

that primarily occur in developing countries, where they severely

impact the morbidity andmortality of the populations they afflict.

Notwithstanding the absence, for some of them, of adequate

prophylactic as well as therapeutic interventions, their persistenceis

very frequently determined by a combination of social andeconomic

issues that allowtheir etiological agents, and potential vectors, to

thrive, taking advantage of the physical environment. Nevertheless,

their consequences go beyond a direct effect on human health,asthey

imprison the disease-stricken populations in an endless loop of