S12
Artigo Original
Introdução
A Iniciativa para a Equidade na Investigação (RFI) é um
serviço do Council on Health Research for Develop-
ment (COHRED) para melhorar a equidade, eficiência
e impacto das colaborações na investigação ao nível glo-
bal. O RFI surge como um apoio direto aos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável da ONU – em parti-
cular o SDG 17 relativo às parcerias, reconhecendo-se
o papel das colaborações em ciência, tecnologia e in-
vestigação para a saúde na diminuição das desigualdades
entre Norte e Sul, no âmbito do paradigma de socieda-
des baseadas no conhecimento [1].
Apesar da literatura sobre parcerias emergir de um ma-
nancial de áreas disciplinares [2] e de conceitos como
“colaboração” e “parcerias” serem alvo de um vasto
debate [3, 4, 5, 6, 7, 8, 9], por vezes gerando alguma
ambiguidade, é consensual afirmar que as relações esta-
belecidas entre instituições do Norte e Sul global aca-
bam frequentemente por reproduzir as desigualdades
que visam mitigar. Na prática, existem duas principais
barreiras para parcerias eficazes: desigualdades e dife-
renciais de poder entre parceiros e os sistemas de ges-
tão interna que podem ser superadas através da partilha
de responsabilidade e propriedade com o parceiro com
menos poder e através da implementação dos sistemas
internos necessários para apoio efetivo à parceria. [10]
As diferenças ao nível da capacidade económica, de
gestão, conhecimento e de impacto sociopolítico fazem
com que habitualmente as parcerias sejam monopo-
lizadas pelos interesses das instituições do Norte. Os
resultados das parcerias são posteriormente publicados
em revistas científicas indexadas para fazer face às exi-
gências administrativas do Norte e o papel dos inves-
tigadores do Sul não é devidamente reconhecido. De
facto, estes estão muitas vezes relegados à mera função
de “técnicos”, responsáveis pela recolha de dados e pela
prestação de apoio logístico [11]. Este cenário reproduz
as assimetrias epistemológicas características do perío-
do colonial e exige o desenvolvimento de mecanismos
para promover uma maior igualdade, transparência e
benefícios mútuos nas parcerias de investigação [12].
Como as parcerias de investigação Norte/Sul raramen-
te são alvo de avaliação formal [13], tem sido reconhe-
cida a necessidade de aplicar recomendações, princípios
éticos e ferramentas normativas [2: 26] para colmatar
estas assimetrias de poder/conhecimento [14]. Têm
sido desenvolvidas políticas e estratégias organizacio-
nais para promover parcerias equitativas por parte das
instituições do Norte global que, apesar de serem di-
versas e de na prática nem sempre serem aplicadas de
uma forma robusta, incluem habitualmente elemen-
tos éticos, substantivos e processuais [10]. A Coliga-
ção Canadiana para a Investigação sobre Saúde Global
(CCGHR) desenvolveu uma série de princípios éticos e
baseados em evidências que promovem parcerias mais
equitativas. Os 6 princípios promovidos pela CCGHR
para uma maior equidade nas parcerias internacionais
incluem: parcerias autênticas; inclusão; benefícios par-
tilhados; comprometimento para o futuro; capacidade
de responder às causas da desigualdade e humildade, in-
cluindo metodologias simétricas [15] como a Pedagogia
do Oprimido de Paulo Freire [16, 15]
Já a Comissão Suíça para as Parcerias de Investigação
com os países em desenvolvimento (KPFE) propõe 11
princípios para estas parcerias. Estes princípios, acom-
panhados de recomendações práticas para que possam
ser aplicados, são os seguintes: defina a agenda con-
juntamente; interaja com os stakeholders; clarifique as
responsabilidades; responda perante os beneficiários;
promova uma aprendizagem mútua; aumente as capa-
cidades; partilhe os dados e redes; dissemine os resul-
tados; partilhe os lucros e méritos de forma equitativa;
aplique e assegure os resultados [18].
Outras agências e entidades responsáveis por desenvol-
ver princípios e dispositivos para parcerias mais equita-
tivas incluem, por exemplo, a Agência Americana para
o Desenvolvimento Internacional (USAID), o Ministé-
rio Holandês dos Negócios Estrangeiros, o Instituto de
Investigação para o Desenvolvimento do Canadá (IRD)
ou até o Programa para Investigação e Educação para o
Desenvolvimento do Conselho Norueguês de Univer-
sidades (NUFU) [10]. No âmbito mais vasto da ajuda
para o desenvolvimento, a declaração de Paris de 2005
contribuiu para a formação de standards de qualidade
para avaliar a eficiência das colaborações para o desen-
volvimento [20: 13].
No entanto, e apesar da proliferação de princípios,
recomendações e diretrizes promovidas pelas mais di-
versas agências, na prática não existe uma ferramenta
baseada em evidências e com um caráter vinculativo
para institucionalizar parcerias globais de investigação
verdadeiramente equitativas. Como IJsselmuiden e Kli-
pp afirmam no seu editorial relativo a este suplemento:
Num esforço de gerar impacto acerca de como
as investigações de colaboração são feitas, direti-
vas para as parcerias têm sido desenvolvidas por
um número de órgãos nacionais mas, caso não
domine as línguas desses países, muito provavel-
mente nunca ouviu falar do KFPE, CCGHR, ou
IRD. E mesmo que conheça estas diretivas, elas
são habitualmente vagas e a sua implementação é
difícil de avaliar. Falta portanto um mecanismo
que crie transparência, permita uma aprendiza-
gem global acerca do que realmente funciona, e
que promova a utilização de melhores práticas e
padrões acordados. [19]