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Introdução
A inovação aberta, um campo em exploração ao nível in-
terno das organizações empresariais, mas ainda em fase
de discussão pública em meios institucionais mais abran-
gentes, impõe desafios – legais, operacionais, culturais –
ao ciclo da inovação clássico. Os aspetos de propriedade
intelectual constituem um dos maiores desafios inerentes
ao tema, porquanto a utilização de ideias e tecnologias
externas no processo de inovação está sujeita, tradicional-
mente, a restrições, resolvidas com recurso a soluções que
vão desde a autorização à cobrança de
royalties
ou a alianças
corporativas.
No entanto, em atuais contextos mais favoráveis à adoção
deste modelo (e.g. países como a Índia ou o Brasil), a inova-
ção aberta tem-se provado geradora de um conjunto de be-
nefícios sociais e económicos que justificariam uma abor-
dagem proativa e empenhada na resolução dos desafios em
causa. Casos concretos permitem já avaliar um significativo
contributo para o desenvolvimento sustentável de comuni-
dades alargadas, especialmente em meios mais carenciados.
O seminário “
Big data
, desenvolvimento sustentável e a
ciência aberta”, realizado no dia 23 de junho de 2016, em
Lisboa, sob organização do Instituto Francês e do Institu-
to de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova
de Lisboa e com o apoio da Fundação brasileira Fiocruz e
da Agência Nacional da Inovação de Portugal, teve como
objetivo apresentar casos concretos capazes de evidenciar
a relevância de que a inovação aberta pode revestir-se em
diferentes contextos. Adicionalmente, o evento mostrou
também os meios já disponíveis, e em desenvolvimento,
para promover a inovação aberta com base em grandes
quantidades de dados e informações, tais como aqueles que
existem hoje em dia nas patentes registadas em vários re-
positórios pelo mundo.
Assim, a sessão
Big data, informação aberta para transferência
de tecnologia
deste evento incidiu sobre a apresentação de
dois casos práticos de aplicação da inovação aberta sobre
dados de patentes e sobre a exposição de duas vertentes
de aplicativos informáticos especificamente desenvolvidos
para o tratamento destas grandes quantidades de dados.
Manuel Durand-Barthez, Conservador Geral da
Unité Ré-
gionale de Formation à l’Information Scientifique et Technique
(URFIST) de Paris, apresentou um caso de inovação fru-
gal com base em informação aberta; Sérgio Matos, Inves-
tigador Associado do Instituto de Eletrónica e Engenharia
Informática da Universidade de Aveiro, abordou a mine-
ração de patentes para descoberta de conhecimento sobre
fármacos;Abdelkader Baaziz, Professor Associado da École
Nationale Supérieure e Management d’Alger
, Universidade de
Tipaza, apresentou um outro caso concreto de transferên-
cia de tecnologia com informação aberta, desta feita na
área da exploração petrolífera; e, por fim, a intervenção de
David Reymond, Leitor da área de Ciências da Informação
e Comunicação da Universidade deToulon, incidiu sobre o
mapeamento de
big data
.
Descrevem-se abaixo os pontos principais destas apresen-
tações, pretendendo-se destacar a verificação do potencial
da inovação aberta para a dinamização dos sistemas nacio-
nais de inovação e para o desenvolvimento sustentável glo-
bal, tal como transmitido pelos oradores e que constituiu
também o objetivo da sessão em causa.
Inovação frugal com base
em informação de patentes:
casos de sucesso
Na apresentação de Manuel Durand-Barthez, expondo um
caso de inovação frugal com informação aberta, esteve pa-
tente o forte potencial da inovação frugal para uma outra
forma de inovação: a inovação social. Com efeito, Durand-
-Barthez começou por apontar que os principais canais de
informação científica – tais como artigos de investigação
ou teses – não são os vetores preferenciais da informa-
ção técnica para resolução de problemas, nomeadamente
aquela consultada por engenheiros, dado serem de difícil e,
muitas vezes, dispendioso acesso. Ao contrário, a patente,
um documento de carácter essencialmente técnico, muito
concreto, sintético e de livre acesso, constitui uma fonte
importante de informação aberta para novas aplicações a
problemas sociais concretos.
Porém, o registo de patentes nos países desenvolvidos ten-
de a inserir-se num sistema
top-down
na perspetiva da sua
venda aos países menos desenvolvidos. No entanto, a aber-
tura da Propriedade Intelectual e Industrial promovida já
em alguns países, tais como a Índia, a China ou o Brasil,
permite criar um sistema simétrico, no sentido em que
parte de problemas existentes entre os consumidores para
chegar, através da consulta dessa informação, a possíveis
soluções que possam ser adaptadas, criando um sistema de
“inovação reversa” particularmente útil às classes sociais
desfavorecidas. Exemplos de aplicação desta forma de ino-
vação, frugal e quase imediata, capaz de resolver proble-
mas medianamente complexos, são métodos de deteção,
diagnóstico e luta contra doenças (paludismo, tuberculose,
filariose e outras), aplicações de vigilância epidemiológica
ou de proteção ambiental.
Naturalmente, não pode ser negligenciado o princípio
fundamental do Retorno sobre o Investimento (ROI) as-
sociado às patentes, constituindo a contrapartida financeira
para a publicação da descrição da inovação. Porém, importa
salientar que o registo da patente tem uma incidência geo-
gráfica inerente e que, por outro lado, o conceito incluído
na patente é protegido contra uma utilização em escala in-
dustrial.
Deste modo, a vantagem desta forma de inovação frugal
centra-se, não numa atividade inventiva de alta intensidade,
Big Data
e ciência aberta