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A n a i s d o I HM T
ideias e ideologias (que incluem materiais biológicos, agen-
tes patogénicos, hospedeiros e doenças, profissionais de saú-
de, os espaços e as estratégias de controlo de doenças, bem
como a disseminação de práticas profiláticas e terapêuticas
consideradas bem sucedidas), à luz das peculiaridades sócio-
-económicas e político-administrativas de cada região e das
correlações de força entre ideologias, mercados, Estados, e
agências nacionais e internacionais.
Integra este volume um conjunto de 23 trabalhos seleciona-
dos que se encontram divididos em 3 blocos temáticos, bem
como o guião da exposição,
Tropics, Knowledge and Medical
Practices in the 20th century
.
O primeiro conjunto de artigos, uma reflexão sobre atores,
doenças e instituições, particularmente no âmbito da hanse-
níase, do seu espaço, do seu enquadramento ou confinamen-
to e nas respostas de enquadramento médico de diferentes
realidades e espaços sociais, políticos e ideológicos; o segun-
do discute as políticas de saúde e as redes internacionais de
construção e validação do conhecimento médico, antes e de-
pois da IIª Guerra Mundial; e o último retrata questões que
relacionam a medicina tropical com o ambiente natural.
1.
Doenças, agentes patogénicos,
atores, instituições
e visões da medicina tropical
Luiz Damas Mora apresenta-nos um estudo sobre o seu tio-
-avô,
António Damas Mora e o combate às doenças tropi-
cais em Angola (1921-1934)
,
no qual reflete a sua influên-
cia para a construção de uma identidade para os Serviços de
Saúde e Higiene de Angola nas primeiras décadas do século
XX, assente na defesa da assistência médica à população au-
tóctone pela criação do Programa de Assistência Médica aos
Indígenas (AMI), visando não só o combate às endemias, em
especial à Doença do Sono. O autor analisa também a impor-
tância de António Damas Mora como defensor do intercâm-
bio cultural e científico não só entre a metrópole e o espaço
ultramarino, como também da diluição de fronteiras no con-
texto internacional, com o intuito de credibilizar a medicina
tropical portuguesa, nas suas colónias, em África.
Sobre a contribuição de Vital Brazil para a medicina
tropical: dos envenenamentos à especificidade da soro-
terapia
, ReJâne Lira-da-Silva et al, apresentam-nos uma
história institucional (no contexto da comemoração dos 150
anos de Vital Brazil) que reflete a contribuição de Vital Bra-
zil para o estabelecimento de uma posição hegemónica na
comunidade científica brasileira com projeção internacional,
no âmbito do estudo do ofodismo e do seu tratamento, en-
quadrado numa abordagem pasteuriana.
Claudia de Souza et al, no artigo intitulado,
Inovações na
produção do conhecimento em doenças infeciosas: his-
tória, arte, cultura e epidemiologia
,
reflete sobre alguns
resultados obtidos no âmbito de uma linha de investigação
do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI),
cujo objetivo se centra na construção de novas práticas de
sensibilização da população para a promoção da saúde e valo-
rização da inclusão social. Utiliza como recurso a realização
de oficinas de “contadores de histórias” sobre as várias doen-
ças (em particular, a leishmaniose e a tuberculose) narradas
na literatura brasileira.
André Mota e Jorge Augusto Carreta, apresentam, em
Usos
da ceroplastia na Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo (1930-1950)
, um estudo sobre a im-
portância da utilização de modelos de cera no ensino da me-
dicina na Faculdade de Medicina de São Paulo entre 1930
e 1950, procurando refletir sobre a consolidação do saber
médico a partir da observação direta, sobre a rede de atores
envolvidos na vulgarização da técnica da ceroplastia no Brasil
e ainda da importância desta abordagem para o surgimento
da dermatologia e da medicina legal, como especialidades
médicas autónomas.
Entre o sonho e a loucura: imigrantes portugueses
no Hospital do Juquery, São Paulo – década de 1930
,
Ewerton Silva apresenta-nos um estudo sobre a integra-
ção dos imigrantes portugueses em S. Paulo, na década de
1930, salientando as dificuldades inerentes ao logro do so-
nho colonial, em particular no domínio da saúde mental e
das políticas encetadas para controlo dos desvios compor-
tamentais, enraizadas no discurso psiquiátrico da imigração
no Brasil.
Jean-Paul Bado,
no seu artigo sobre a
Medicina empírico-
-metafisica e medicina moderna em África
, reflete sobre
a importância da contrução de um discurso metafisico-cien-
tífico pela população africana numa perspetiva internalista,
procurando descentralizar a medicina tradional das narrati-
vas colonialistas e eurocêntricas.
1.1.
Asilos e leprosários:
espaços de confinamento social emédico nos trópicos
Giovana Galvão Tavares et al, em
Território da lepra: a
criação e consolidação do Refúgio dos Leprosos em Aná-
polis, Goiás, Brasil (1930–1970)
discutem a problemática
da territorialidade dos leprosos e da lepra emAnápolis − um
território de migrantes, no Centro Oeste do Brasil − entre
1930 e 1970, recorrendo à análise das narrativas dos utentes,
familiares e do leprosário. Pretendem dar resposta a ques-
tões como a formação do território do refúgio e isolamento,
o tipo de atores que utilizavam esse espaço e ainda como é
que cada um deles interpretava esse confinamento territorial
no qual vivia.