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Políticas e redes internacionais de saúde pública no século XX

A contribuição científica

e a fase portuguesa de Aldo Castellani

após a IIª Guerra Mundial

Aldo Castellani nunca foi uma figura estranha à escola por-

tuguesa de medicina tropical e aos seus investigadores. Portugal

organizou em 1901 a primeira missão de estudo da doença do

sono aAngola e em 1902 reportou os seus resultados na impren-

sa nacional, configurando a possibilidade de terem descoberto

o agente responsável pela manifestação da doença no Homem

[28]. À época,Aldo Castellani era um jovem médico promissor

da Escola de Medicina Tropical de Londres. Por indicação de

Manson, o seu nome foi sugerido ao

Foreign Office,

apesar de não

ser inglês

,

e assim foi escolhido para a primeira missão da

Royal

Society of London

, uma missão similar à missão portuguesa, no En-

tebe (Uganda). Em poucos meses ambas as equipas esgrimiam

argumentos na imprensa internacional para serem considerados

os autores da descoberta do agente etiológico responsável pela

doença, e com isso, assumirem o protagonismo na medicina tro-

pical europeia [28, 29, 30, 31].

O confronto de Aldo Castellani com a equipa liderada por

Aníbal Bettencourt não teve um desfecho muito agradável

para a comunidade médica portuguesa, dado que perdeu o

protagonismo ao reivindicar como agente causal da doença,

uma bactéria.

No entanto, também Castellani não conseguiu rivalizar com

Bruce pela descoberta do tripanossoma. O espólio de Caste-

llani evidencia bem a importância que este assunto tinha para

a sua afirmação internacional, pois contém toda a correspon-

dência trocada com as várias instâncias de poder e influência

em vários países para provar o seu protagonismo e fazer jus à

sua descoberta, como é disso exemplo a correspondência que

trocou com J. Davies, já em Portugal:

(…) as I told you before, when I started my investigation of S.

Sickness I felt like a man groping in the

dark.At

very beginning

I was inclined to consider Manson’s filarial theory the correct

one. Later, I gave aetiological importance to the streptococcus,

which was constantly present at the Post mortems on S.Sickness

patients. I was mistaken. But how many times in the history

of medicine has a man made mistakes before discovering the

truth? As I mentioned in previous letter to you Sir Donald Ross,

not long before his epoch making discovery of the mosquito

transmission of malaria,published in the Indian Medical Ga-

zette a paper in which he denied the existence of malarial

parasite. He often told me the story himself. And the paper

was used agai nst him in the polemic with

Grassi.We

all make

mistakes. Fortunate are those who, in the end, find the truth:

I venture to state that I had that luck (…) [32:233].

A controvérsia entre Castellani e Bruce nunca seria resolvida e

até hoje se atribuiu a descoberta do tripanossoma aos dois au-

tores, para grande mágoa de Castellani [33, 34, 35, 36, 37].

As contribuições de Castellani são conhecidas não só no domí-

nio científico, como também na prática clínica, onde deixou um

legado para a medicina tropical pautado por várias inovações

científicas, clínicas e terapêuticas que lhe permitiram assegurar

uma posição de destaque na dermatologia tropical no século XX.

Desde o teste de absorção de Castellani até à última bactéria des-

crita em 1954, Castellani nunca deixou de associar o seu nome

às grandes descobertas do seu tempo.Aliou sempre um conhe-

cimento pericial assente na bioquímica e na microbiologia para

descobrir os agentes etiológicos de várias doenças, das quais se

destacam duas doenças tipicamente tropicais, a doença do sono e

a framboesia (boubas ou pian); para desenvolver novos métodos

de identificação de micro-

-organismos, particular-

mente bactérias e fungos;

e ainda para propor novas

abordagens de diagnóstico

de várias doenças tropi-

cais, das quais descreveu

ao pormenor, na trilogia,

Fig. 2:

Primeira página da primei-

ra edição da autobiografia de Aldo

Castellani dactilografada, com ano-

tações manuscritas do autor. Fonte:

Espólio deAldo Castellani, IHMT.

Fig. 3:

Primeira página da autobiografia dactilografada de Aldo Castellani,

na versão americana, com anotações manuscritas do autor. Fonte: Espólio de

Aldo Castellani, IHMT.

Fig. 4:

Excerto da primeira pági-

na do Journal of Tropical Medicine

descrevendo o processo da desco-

berta do tripanossoma por Castella-

ni, no qual são referidos os autores

portugueses [29].