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A n a i s d o I HM T
conhecidos são o da rainha Santa Isabel, da Hungria
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, no sé-
culo XIII, tratando os leprosos, o banquete anual oferecido
aos gafos pela comunidade de Nuremberga, ou as múltiplas
disposições testamentárias que enriqueceram comunidades
de gafos e geraram depois a cobiça de governantes, como
aconteceu com Filipe V de França (século XIV) que, com
o objetivo de lhes confiscar os bens, acusou os leprosos de
fomentarem uma revolta.
Considera-se o Médio Oriente como o local de propagação
da doença para a Europa e, sabe-se hoje, que desde o século
XI, as Cruzadas em muito contribuíram para a expansão da
lepra no continente europeu, bem como as frequentes mo-
vimentações dos exércitos num continente em efervescên-
cia para definição de territórios. Historiadores da Medicina
calculam que o número de leprosarias na Europa medieval
atingiu mais de 19.000 (Gron, 1973), onde os doentes eram
compulsivamente acantonados.
A primeira leprosaria de que há registo data de 460 e loca-
lizou-se em Saint Oyan, hoje Saint Claude, em França. Em
meados do século XIII existiam, só em França, cerca de duas
mil gafarias, por vezes com 18 a 20 na periferia de algumas
cidades. Umas eram administradas pelos municípios, outras
nasceram por iniciativa de um grupo de doentes que, com
frequência, reuniam vários elementos de uma mesma famí-
lia, outras foram o fruto de dádivas vultuosas e eram muito
ricas.
No século XVI, esta doença que preencheu o quotidiano
medieval entrou de algum modo em regressão na Europa
e inúmeras leprosarias foram encerradas, abandonadas ou
transformadas em hospitais. Atribui-se esse decréscimo da
doença em parte às medidas de isolamento, mas principal-
mente à peste que dizimou mais de 1/3 da população euro-
peia e, neste grupo, incluíram-se sobretudo os imunologica-
mente mais débeis. Também o aparecimento e subsequente
aumento da tuberculose terá contribuído para a diminuição
da lepra, com o aumento e concorrência de uma outra mico-
bactéria, bem mais agressiva.
Portugal foi de algum modo uma exceção no espaço euro-
peu e relativamente poupado à propagação da lepra. Por um
lado o Papa
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proibira aos portugueses de se alistarem como
cruzados, para que não se desguarnecesse o flanco ocidental
da Península Ibérica, ameaçado pelos mouros magrebinos e,
por outro lado, Portugal é um país isolado no extremo da
Europa, com fronteiras mais ou menos estáveis desde o sécu-
lo XIII, factos que limitaram entre nós o trânsito da doença.
As gafarias em território português são seguramente ante-
riores à fundação da nacionalidade. Há notícia de uma doa-
ção ao convento de Paço de Soure, em 1107, para que aí
se tratassem os leprosos. Em época de D. Afonso Henriques
existiam já perto de uma dezena de gafarias espalhadas pelo
país (Guimarães, Braga, Barcelos, Ponte de Lima, Razes,
Lisboa, Santarém...). Outras apareceram de seguida, atin-
gindo uma meia centena no decurso do primeiro século da
independência mas o número total pouco terá excedido as
sete dezenas (Silva Correia in Leone, 1971), considerando
também as ilhas adjacentes, o que significa uma proporção
de 1/15000 habitantes, muito aquém das taxas existentes na
Europa além Pirinéus.
O testamento de D. Sancho I, em remissão da sua alma atri-
buía 10000 morabitinos para a gafaria de Coimbra. Provi-
dências semelhantes encontram-se nos legados testamentá-
1- Alguns autores interpretam a doença de Job como psoríase ou escabiose.
2- Creosoto, liquido oleoso derivado da destilação dos alquitranos procedentes da
combustão da hulha. Foi usado como desinfetante, laxativo e em tratamentos para
a tosse.
3-Tia-avó da rainha Santa Isabel de Portugal.
4- Os portugueses foram proibidos de se alistar nas cruzadas pelo papa Pascoal II.
Fig. 4:
Distribuição das gafarias em Portugal inAugusto da Silva Carvalho
"História da Lepra em Portugal"