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Artigo Original

Após a erradicação da malária

em Portugal

Em Portugal, e na sequência da erradicação da malária no fi-

nal dos anos de 1950, os estudos sobre doenças transmitidas

por vetores têm-se centrado, em particular, nas patologias

endémicas das regiões tropicais e sub-tropicais. Devido à

natureza da missão do Instituto de Higiene e Medicina Tro-

pical (IHMT), definida estatutariamente, à qual se alia a sua

expertise de mais de 100 anos de atividade, inúmeros têm

sido os trabalhos efetuados neste domínio científico, nomea-

damente no âmbito da malária e seus vetores.

Com base no saber acumulado na sequência dos trabalhos

decorrentes das tentativas de controlo da febre-amarela em

Luanda (Angola) no início da década de 1970

[1,2,3] (Fig.

1), o interesse pelos agentes causadores de doenças transmi-

tidas por vetores, e em especial o interesse pelas patologias

causadas por arbovírus, ganhou um novo ímpeto em meados

da década de 1990. Com início em contribuições efetuadas

na sequência de estudos sobre a

peste equina africana

[4]

e

sobre o vírus do Nilo Ocidental

[5],

passo-a-passo o estudo

das doenças de origem viral transmitidas por vetores foi ga-

nhando, progressivamente, projeção no IHMT. No entanto,

até recentemente, os novos projetos científicos foram sem-

pre focalizados nas regiões tropicais e subtropicais, do qual é

exemplo a avaliação da receptividade do território de Macau

ao vírus da dengue (DENV) (Fig. 2 e Fig. 3) e a outras patolo-

gias causadas por agentes patogénicos transmitidos por

Aedes

albopictus

(Skuse, 1894)

[6]

.

A década de 2000

Com a emergência de arboviroses como as causadas pelo ví-

rus da dengue (DENV, do Inglês

Dengue virus

), pelo WNV

(do Inglês

West-Nile virus

), ou pelo vírus chikungunya (CHI-

KV, do Inglês

chikungunya virus

), os trabalhos levados a cabo

no IHMT começaram a refletir, cada vez mais, a preocupação

crescente relativamente à vulnerabilidade dos territórios na-

cionais a este tipo de doenças. Assim, e desde 2001, vários

foram os projetos dedicados ao estudo dos arbovírus e dos

seus vetores presentes no território português

[7,8].

Na se-

quência da identificação de dois casos confirmados de infe-

ção peloWNV em Portugal (Algarve), o IHMT veio a con-

firmar a presença deste vírus em lotes de

Culex pipiens

Lin-

naeus, 1758 e

Culex univittatus

Theobald, 1901 por métodos

moleculares, mas também via isolamento de estirpes virais

diretamente a partir de macerados de mosquitos

[9]

. Subse-

quentemente, a caraterização genética destes vírus permitiu

descortinar o padrão epidemiológico de atividade doWNV

em Portugal

[10].

No entanto, o real impacto das arboviroses

no nosso país só se tornou aparente na sequência da intro-

dução de

Aedes aegypti

(Linnaeus, 1762)

no arquipélago da

Madeira, e no subsequente surto de dengue em 2012.

A febre da dengue (DF, do Inglês

dengue fever)

é causada pela

infeção por um arbovírus (do Inglês

arthropod borne virus

) da

família

Flaviviridae

, normalmente transmitido por mosquitos

hematófagos do género

Aedes

[11] e vulgarmente conhecido

como vírus da dengue (DENV). Crê-se que a DF seja uma

doença antiga com os primeiros registos conhecidos datados

entre 265 e 420 A.D. [12]. Não obstante, até à década de

1940 eram relativamente raros os registos destas epidemias,

sendo que a rápida e ampla dispersão do DENV pelo mun-

do teve início a partir do Sudeste Asiático no decurso da IIª

Guerra Mundial.

Nas últimas cinco décadas, o aumento do número de infe-

ções causadas por DENV tem sido considerável.As estimati-

vas apresentadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

sugerem que entre 50 e 100 milhões de infeções causadas

pelo DENV possam ocorrer anualmente [13], afetando, par-

ticularmente, as regiões tropicais e subtropicais [14, 11, 15].

No entanto, estes números são, muito provavelmente, su-

bestimativas do real impacto do DENV na saúde humana.

A maioria das infeções causadas pelo DENV (cerca de 80%)

são assintomáticas, e as que se manifestam clinicamente es-

tão associadas a um síndrome febril agudo e autolimitado

designado de forma abreviada, e tal como acima se refere,

por DF.

No entanto, apesar do facto da DF ser a apresentação

clínica mais frequentemente associada à infeção pelo DENV,

esta pode evoluir para situações clinicamente mais graves, e

da qual se destacam as alterações na permeabilidade capilar

e o choque hipovulémico a estas associado. Estas manifesta-

ções clínicas agravadas são vulgarmente reconhecidas como

dengue hemorrágico (DHF, do Inglês

Dengue

Hemorrhagic

Fever

) e síndrome de choque associado à dengue (DSS, do

Inglês

Dengue Shock Syndrome

) [16].

Em 1906 os mosquitos do género

Aedes

foram pela primeira

vez implicados na transmissão do DENV. Contrariamente à

maioria dos demais arbovírus, o DENV replica em primatas,

nos quais é naturalmente mantido e amplificado em dois ci-

clos ecologicamente distintos

[17,18]. Por um lado, o DENV

pode manter-se num ciclo silvático que envolve primatas

não-humanos como hospedeiros, e mosquitos vetores da

canópia florestal. Por outro, a sua manutenção pode ocorrer

exclusivamente em ambiente urbano sendo que, nestes caso,

o Homem é o seu hospedeiro e os mosquitos antropofílicos

os seus vetores.

Aedes aegypti

(Linnaeus, 1762) subespécie

ae-

gypti

é considerado o principal vetor de DENV em ambiente

sinantrópico, enquanto que

Ae.albopictus

parece ter um papel

secundário enquanto vetor de DENV em áreas onde estas

duas subespécies coexistem [19].

Aedes albopictus

é referido

como apresentando maior competência vetorial que a subes-

pécie de

Ae. aegypti

mais frequentemente implicada na trans-

missão epidémica de DENV (

Ae. aegypti aegypti

), o que, em

combinação com a sua origem asiática suporta o reconheci-

mento de

Ae. albopictus

como o vetor ancestral deste vírus

[20,21,22]. No entanto,

Ae aegypti

é, normalmente, a espé-

cie associada aos grandes surtos de DENV, para os quais con-