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A época e o cenário para o surgimento
do Instituto Oswaldo Cruz (IOC)
A primeira pandemia de peste atingiu o mundo romano no
séculoVI e o grande ciclo pandêmico que se sucedeu aniqui-
lou um quarto da população da Europa no século XIV. Ver
ressurgir no século XIX o flagelo, que ciclicamente assolava
a humanidade desde tão remotas eras, foi motivo de grande
inquietação para as autoridades sanitárias e chefes de Esta-
do e de desassossego, senão terror, para as populações que
ainda desconheciam as causas e mecanismos de doença e
eram incapazes de se prevenir dela. Esse terceiro gran-
de ciclo iniciou-se na província chinesa de Yunnan com
a rebelião muçulmana de 1855 e propagou-se progressi-
vamente com os deslocamentos de grandes contingentes
de refugiados, atingindo Cantão e Hong Kong em 1894.
Os portos do sul da China passaram a distribuir a peste,
tendo entre suas áreas potenciais de expansão os portos
marítimos do Novo Mundo. Assim, alcançando a América
do Sul pelo Paraguai e Argentina, a praga chegou à cidade
de Santos em 1899, uma década antes, portanto, da vira-
da do século que pressagiava o advento de mais saúde e
modernidade
1
.
De fato, a chegada da doença em nossos portos sucedia de
pouco a criação do Institut Pasteur (IP) em Paris, criado
em 1897 – com a ajuda de doações, inclusive do Impera-
dor do Brasil D. Pedro II
2
– e inaugurado em 1888. Em
1894, AlexandreYersin, pesquisador suíço do IP, identifi-
cava, em Hong Kong, o agente etiológico da peste, desig-
nada como a
Pasteurella pestis
(em homenagem a Pasteur),
hoje
Yersinia pestis
. A descoberta, feita provavelmente na
mesma época e local pelo cientista japonês Shibasaburo
Kitasato, discípulo de Robert Koch, permitiu a Yersin,
seu colaborador Henri Carré e o médico russoW. M. Ha-
ffkine preparar, a partir de 1895, as primeiras vacinas e
soros que, embora ainda não muito eficazes, já despon-
tavam como recursos profiláticos quando a peste chegou
no Brasil.
A criação do Instituto
Soroterápico Federal
O cirurgião Barão de Pedro Affonso, fundador do Insti-
tuto Vacínico Municipal, primeiro laboratório produtor
de vacina antivariólica no país, sugere em 1899 a criação
do Instituto Soroterápico ao Prefeito do Distrito Federal,
Cesário Alvim, que cede para instalação do novo serviço
a Fazenda de Manguinhos, convenientemente afastada do
centro urbano. Apesar do nome, o Instituto não tem ne-
nhum profissional técnico qualificado para a coordenação
dos trabalhos de produção do soros
3,4
. Assim, o Barão,
pretendendo contratar um especialista do Instituto Pas-
teur, consulta Émile Roux, então Diretor do já famoso
Instituto em Paris. A resposta é imediata: “
Ce professionnel
existe et est déjà au Brésil, il s’agit du Docteur Oswaldo Cruz
”
5
(Figura 1). Affonso, que se lembra de ter trabalhado com
o pai de Oswaldo Cruz na Faculdade, o nomeia para a
Direção Técnica do Instituto, que, na época, não é mais
do que um laboratório destinado à produção do soro an-
tipestoso
6
.
Com o Brasil proclamado República, cabe ao Governo
designar Oswaldo Gonçalves Cruz, recém-chegado de
longo estágio em Paris e aluno das primeiras turmas do
Curso de Microbiologia do IP, para verificar a etiologia
da epidemia de Santos, com Adolpho Lutz e Vital Brazil,
nomeados pelo governo de São Paulo. A comissão afirma
que “a moléstia reinante em Santos é a peste bubônica”
e as autoridades sanitárias decidem instituir laboratórios
para a produção de soro e vacina contra a peste: o Insti-
tuto Butantan em São Paulo e o Instituto Soroterápico
Municipal no Rio de Janeiro.
O Barão parte para a Europa tendo em mãos uma lista,
organizada por Oswaldo Cruz, com o material a ser ad-
quirido. Em Paris consegue contratar apenas o veteriná-
rio Henri Carré, colaborador de Yersin na produção das
primeiras vacinas antipestosas. O governo Brasileiro só o
autorizava a oferecer contratos pouco atraentes e pouco
operantes, posto que pelo prazo máximo de seis meses.
Instalados os laboratórios, iniciam-se os trabalhos, sem
qualquer cerimonial
7
, em 25 de maio de 1900. Além dos
diretores administrativo e técnico, a equipe é composta
por três profissionais - o Coronel-Médico Ismael da Ro-
cha, bacteriologista do Serviço de Saúde do Exército; o
médico Henrique de Figueiredo Vasconcellos, assistente
do Instituto Vacínico; o veterinário Carré - e o estudante
de medicina Ezequiel Caetano Dias.
Embora a descrição do que aconteceu não possa mais ser
feita com exatidão, um relato das prováveis condições no
início dos trabalhos do, então, Instituto Soroterápico Mu-
nicipal foi feita no discurso do Diretor do IOC na cele-
bração do seu 95
o
aniversário.
“Hoje de manhã, enquanto as cores do dia ainda não tinham se
definido, me vi pensando no que estaria acontecendo neste mesmo
local há exatos 95 anos quando, por determinação do Prefeito
Cesário Alvim, criou-se o Instituto Soroterápico Municipal...
Pensei em charretes pouco numerosas carregando o Barão de Pe-
dro Affonso, alguns auxiliares, movimento, pacotes, papéis, tubos
de ensaio, alguns poucos estudantes.... devia ser infernal andar
nesse chão pantanoso com botas. Oswaldo Cruz, diretor técnico
do Instituto, Ezequiel Dias, assistente do Barão no InstitutoVa-
cínico, Ismael da Rocha, cedido pelo serviço de saúde do exército,
Figueiredo deVasconcellos, médico-assistente do Barão... Pergun-
to-me de quantos auxiliares esses gênios precisavam. Disse-me
(Wladimir) Lobato Paraense
8
que as facilidades, se é que assim
as podemos chamar, de transporte, não estavam disponíveis desde
História