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sua presença junto das restantes potências colonizadoras,
defendendo o interesse nacional e elegendo a doença do
sono (conhecida desde 1904 como tripanossomíase humana,
mas referida até muito tarde na literatura como doença do
sono) [16] como baluarte da “expertise” onde o estudo
in
locu
assumia o primeiro plano. A cultura do microscópio e a
realização da investigação em laboratórios vivos (as colónias
africanas) assumiria assim um papel de destaque para o
estudo, controlo e erradicação das doenças e das epidemias
em África e na Europa. Em 1901 o Estado português enviou
a primeira missão a África para estudo da doença do sono
[17], que serviu como elemento impulsionador da criação
da Escola de Medicina Tropical de Lisboa (EMT) em 1902
(fundada a partir dos modelos das escolas de medicina
tropical de Liverpool e de Londres, em 1898 e 1899,
respetivamente) [4]. Em 1935, a nova instituição (Instituto
de Medicina Tropical) foi configurada com a investigação e
com o laboratório seguindo o modelo do ensino universitário
no domínio das ciências médicas e do Instituto de Medicina
Tropical de Hamburgo, até 1966, ano em que foi integrada
na Escola Nacional de Saúde Pública, passando a medicina
tropical para o domínio da medicina preventiva.
A peculiaridade da medicina tropical brasileira reflete
as tendências historiográficas que tendem a considerar
a institucionalização da área na fronteira do paradigma
miasmático/ambientalista e do paradigma bacteriológico,
umas vezes agregado ao modelo europeu e americano,
outras, conferindo-lhe uma identidade própria. A trajetória
da EscolaTropicalista Baiana à escola de Maguinhos (fundada
por Oswaldo Cruz) [1,14] permite refletir sobre estas
questões, que do ponto de vista historiográfico, coexistem
até hoje.
O terceiro conjunto de temas escolhidos do ponto de vista
programático promoveu o enquadramento das principais
doenças históricas como a malária [18,19,20,21], a febre-
-amarela [22], as tripanossomíases (doença do sono e doença
de Chagas), na sua intrínseca relação com a construção social
da doença [23,24,25,26], ou com as tradições científicas e o
arsenal científico, terapêutico e ideológico utilizado nas mis-
sões médicas nas colónias [27,28,29]. Outras doenças, como
as leishmanioses, esquistossomoses e a oncocercose foram
também objeto de análise e de enquadramento histórico, par-
ticularmente no contexto americano, no qual a sua taxa de
incidência assume uma importância acrescida. Em paralelo
introduziu-se a reflexão sobre o lugar da saúde pública na con-
solidação da medicina tropical, desde as convenções sanitárias
internacionais [30,31], às campanhas internacionais e globais
de saúde pública, no período pós IIª Guerra Mundial [32,33].
Finalmente o último e muito breve, traduz a preocupação pela
necessidade de preservação do património histórico (desde as
estruturas de assistência hospitalar às instituições de ensino e
de investigação em medicina tropical) que envolve a história
da medicina tropical, tanto em Portugal como no Brasil.
Conclusões
A formação profissional está, sem dúvida, em mudança e deve
acompanhar o desenvolvimento tecnológico que marca o ritmo
da sociedade actual em marcha acelerada. A possibilidade
de realização deste curso via web (utilizando o Adobbe
Connect, como plataforma síncrona de elearning) permitiu
alargar naturalmente o universo de interação e de troca de
conhecimentos e experiências entre docentes/investigadores
e discentes. Este universo de possibilidades de tutoria ativa
e intercâmbio de experiências decorrentes da investigação
histórica realizada pelo corpo docente deverá deixar algumas
questões para reflexão futura como sejam:
1.
A valorização de competências profissionais em rede;
2.
A exploração de novas realidades pedagógicas transversais
no perfil curricular dos alunos universitários;
3.
A utilização das ciências sociais e humanas como “soft
skills” nos curricula das ciências naturais (e afins) e das
engenharias, nas universidades portuguesas e brasileiras;
4.
A alocação de recursos necessários para apoiar
iniciativas deste tipo, particularmente para tornar possível
a participação de todos os países de língua portuguesa em
unidades curriculares como esta.
Neste momento, e porque o curso ainda não foi concluído, a
avaliação discente é aindamuito incipiente.Ouniverso de alunos
contemplava de forma quase paritária, alunos com formação
base em ciências sociais e humanas, e alunos com formação
em ciências biomédicas. Da resposta aos inquéritos realizados
na avaliação desta atividade formativa, destacam-se dois
elementos centrais: o abandono pontual de alguns formandos,
não familiarizados com o discurso histórico (1%) e a valorização
de um curso deste tipo lecionado por profissionais (docentes
e investigadores) especializados em cada um dos tópicos do
programa. Elementos que apontam param a necessidade de
dar continuidade a este projeto, que se situa ainda na sua fase
embrionária, mas que permite valorizar o património médico
que também se exprime na língua portuguesa e que importa
valorizar no contexto global.
Fig. 5
–Peculiaridades da história da medicina tropical no Brasil
(séculos XIX e XX)
A influência da
microbiologia e a
história da saúde
pública no Brasil
Escola
tropicalista
baiana
Escola de
Manguinhos
Formação