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Tema 1

PRIMÓRDIOS DOS SERVIÇOS DEMEDICINA COLONIAL EM ÁFRICA: SÉCULOS

XV – XIX

PAULO FERRINHO

JOSÉ LUÍS DORIA

ZULMIRA HARTZ

Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal.

E-mail

:

PFerrinho@ihmt.unl.pt (

Paulo Ferrinho).

RESUMO

Analisa-se o contributo dos portugueses para o

desenvolvimento dos sistemas de assistência sanitária no

império português em África até ao início do século XX.

Consideram-se a medicina a bordo, as instituições de apoio em

terra, em África e a intervenção das Misericórdias. Só depois

das convulsões resultantes da Revolução Francesa, que

levaram à independência do Brasil e ao Tratado de Berlim e

Ultimato inglês, é que o Estado português apostou numa

ocupação efetiva dos seus territórios africanos, desenvolvendo

estruturas de saúde pensadas para as colónias ultramarinas. As

respostas encontradas ao longo dos tempos refletem os

conhecimentos científicos de cada época, os valores prezados

nas sociedades europeias e a visão do papel do Estado no setor

da saúde.

SUMMARY

The authors assess the contributions of Portugal to the

development of health systems in the Portuguese African

empire until the early 20

th

century.

The marine medicine, the support of health facilities in

mainland Africa and the interventions of the

Misericórdias

are

touched upon.

Only after the French Revolution, the independence of Brazil

and the liberal war in Portugal, under the pressure of the

English Ultimatum and following the Berlin Treaty, the

Portuguese Government undertook effective occupation of its

African territories, developing health infrastructures tailored

for the needs of the overseas’ colonies. The solutions found

over the centuries reflect the scientific knowledge of the

moment, the socially appreciated values in the European

societies and the interest in health as a matter of public policy.

INTRODUÇÃO

Na era dos Descobrimentos, as contribuições dos

portugueses para a medicina e outros campos do

saber foram assinaláveis, com base num

conhecimento construído na observação e na

experiência (Frada, 1989). As divergências entre o

que se encontrava nos textos clássicos e o que se

ia aprendendo por observação direta, num

empirismo renovador, apelaram à razão,

contribuindo para um conhecimento racional e

científico da realidade que se foi sobrepondo e,

eventualmente, substituindo os paradigmas até

então prevalecentes. Tais divergências ficaram

espelhadas nos colóquios entre o Dr. Ruano,

“homemdos textos, medieval e comentarista, que

sabe de cor as autoridades”

(Sérgio, 1978) e o Dr.

Orta, que opõe às autoridades o que observou

(Orta, 1983). As viagens marítimas assinalaram

uma tendência para fixar as bases de um

conhecimento positivo sobre os problemas

concretos do mundo real (Frada, 1989; Saraiva,

2001), contribuindo para o

“surto do espírito

europeu moderno, para o desenvolvimento do

humanismo, para a criação do senso crítico,para

a queda da autoridade na ciência e na filosofia”

(Sérgio, 1978).

Os médicos, mais na capacidade de matemáticos

e astrólogos, estiveram ligados a este labor

científico desde o início dos Descobrimentos

marítimos, concorrendo inclusivamente com

inovações tecnológicas na arte de navegar

(Rasteiro, 1992). Devido ao seu número reduzido,

o impacto no desenvolvimento dos serviços

sanitários foi limitado, ficando estes inicialmente

entregues a uma marinha ao serviço de um modelo

de exploração colonial, centrada hegemonicamente

numa política económica mercantilista – protegida

por feitorias, companhias, cartazes ou capitanias -,

patrocinada pelo absolutismo monárquico e

apoiada na evangelização pela Igreja, frente a

manifestações tímidas de um humanismo

português, que morreu sufocado pela Contra-

Reforma (Quental 2001; Sérgio, 1978).