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Artigo Original
Conclusões
O diagnóstico de malária deve ser tido em considera-
ção perante um doente com febre, residente ou com
viagem recente a um país onde a malária seja endémi-
ca. Contudo, este diagnóstico pode passar despercebi-
do, e mesmo algumas alterações dos parâmetros labo-
ratoriais, podem não desencadear a realização de ESP
[17].
As manifestações clínicas de malária podem incluir
febre, calafrios, diaforese, cefaleias, fadiga, mal-estar,
mialgias, artralgias, taquicardia, taquipa, tosse, anore-
xia, náuseas, vómitos, dor abdominal e diarreia [17]. O
exame físico pode revelar icterícia, esplenomegalia e /
ou hepatomegalia. A maioria dos doentes não-imunes
apresenta picos febris diários. Em indivíduos semi-
-imunes, o intervalo entre picos febris pode refletir a
duração do ciclo reprodutivo da espécie envolvida – no
caso do
P. malariae
, esse período é de 72 horas (febre
quartã).
A avaliação laboratorial de doentes com suspeita de
malária deve incluir: hemograma (para pesquisa de
anemia, leucocitose, leucopénia ou trombocitopénia);
perfil de bioquímica geral – ionograma, ureia, crea-
tinina, glicémia (para avaliação do equilíbrio hidro-
-eletrolítico, da função renal, do estado matabólico);
provas de função hepática, incluindo bilirrubina total e
fracionada (para avaliação de hemólise ou de hepatite);
doseamento PCR. Numa revisão sistemática, as altera-
ções laboratoriais que apresentaram maior correlação
com o diagnóstico de malária foram trombocitopénia
e hiperbilirrubinémia [18]. Porém, embora a ausência
destas alterações tornasse o diagnóstico de malária me-
nos provável, não permitiam a sua exclusão [18]. Já nos
doentes que recorreram ao nosso SU, no período entre
2007 e 2016, as alterações analíticas mais frequentes,
foram: trombocitopénia (70,04%), e elevação da LDH
(80,57%) [13]. Além destas alterações, apresentavam
também anemia (25,10%) e elevação dos seguintes
parâmetros bioquímicos: ALT (47,70%), creatina ci
nase (CK) (47,70%); bilirrubina total (42,51%) e PCR
(44,94%) [13].
O diagnóstico de malária é realizado tendo por base a
microscopia ótica (com a visualização de formas para-
sitárias em ESP) ou a realização de teste de diagnóstico
rápido (RDT), que permite a deteção de antigénios ou
anticorpos [19]. As técnicas moleculares para deteção
de material genético são utilizadas geralmente em con-
texto de investigação. A observação de ESP permite a
visualização de formas parasitárias; a identificação da
espécie em causa e das etapas do ciclo de vida presen-
tes; a determinação da parasitémia; a monitorização da
resposta à terapêutica e a identificação de agravamento
ou recidiva [16]. Neste contexto, são utilizados dois ti-
pos de ESP: esfregaço fino e gota espessa.A preparação
de esfregaço fino mantém a integridade e a morfologia
eritrocitárias, permitindo que os parasitas sejam visí-
veis no interior dos glóbulos vermelhos. A preparação
da gota espessa envolve a lise mecânica dos eritrócitos,
de modo que os parasitas podem ser visualizados inde-
pendentemente das estruturas celulares.A gota espessa
permite a observação de maior volume de sangue, o que
se traduz numa maior sensibilidade de deteção do para-
sita, atribuindo à gota espessa particular relevância no
rastreio de malária [19]. O Centers for Disease Control
and Prevention (CDC) dos Estados Unidos América,
dispõem de orientações
on-line
, que devem ser seguidas
na preparação e coloração de ESP para diagnóstico de
malária [20]. Os parasitas devem ser visualizados com a
objetiva de ampliação de 100x (imersão); deve ser rea-
lizada observação de 200 a 500 campos, durante 20 a 30
minutos [20]. Se existir suspeita de malária e a pesquisa
de
Plasmodium
for negativa, devem ser observados ESP
adicionais nas próximas 48 a 72 horas. Com efeito, o
CDC recomenda a repetição do esfregaço fino e da gota
espessa a cada 12 a 24 horas, até perfazer um total de
três conjuntos, antes de poder ser excluída a hipótese
diagnóstica de malária [21].
Porém, a observação de ESP é um procedimento que
exige tempo suficiente para ser efetuado corretamente
e requer experiência na sua realização. Caso se cum-
pram estes pré-requisitos, a sensibilidade da microsco-
pia pode ser excelente, com deteção de formas parasitá-
rias de
Plasmodium
em densidades tão baixas como 4 a 20
parasitas/μL de sangue (aproximadamente 0,00015% a
0,0005% de parasitémia) [22]. Contudo, parasitémias
de baixa densidade (10 a 100 parasitas/μL de sangue)
podem passar despercebidas, mesmo podendo ocorrer,
ainda que mais raramente, com densidades superiores
[23]. Por outro lado, a sensibilidade e a especificidade
da pesquisa de
Plasmodium
em ESP em centros com re-
cursos limitados encontram-se frequentemente abaixo
dos níveis alcançados em laboratórios de referência ou
de investigação [24]. Já em laboratórios bem equipados,
localizados em áreas onde malária não é endémica, a
variabilidade nas técnicas utilizadas para a preparação
e interpretação do ESP pode influenciar os resultados,
sobretudo em centros com experiência limitada em
doenças tropicais [16].
A infeção por
P. malariae
geralmente origina sintoma-
tologia ligeira e parasitémia relativamente baixa [17].
Caso permaneça assintomática, pode mesmo persistir,
meses ou anos e manifestar-se apenas por anemia [25].
Neste doente em particular, além da trombocitopénia
revelada no hemograma, foi a contagem de LUC que
desencadeou a observação do PBS.
Embora os contadores hematológicos utilizados na
prática clínica atual não tenham sido especificamente