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Artigo Original

Introdução

Amalária é uma doença parasitária que afeta mais de 3.000

milhões de pessoas mundialmente, sendo responsável por

mais de 600 mil mortes por ano [1].A Organização Mun-

dial de Saúde (OMS) registou 445 mil mortes por malária

em 2016, 85% das quais na África subsariana [2]. Porém,

dos 55 países analisados, 31 apresentavam uma taxa de

notificação inferior a 50% (2). A malária é uma doença

prevalente na generalidade das regiões tropicais, sendo o

P. falciparum

o agente etiológico mais comum [3]. As ou-

tras espécies que infetam o homem são o

P. vivax, P. ovale,

P. malariae e P. knowlesi

. O

P. vivax

é a segunda espécie mais

frequente, sendo o agente responsável por 9% dos casos

de malária a nível mundial [4]. A infeção por

P. malariae

,

menos frequente, ocorre em África, no Sudeste Asiático,

na Oceania e naAmérica do Sul [5].O

P.malariae

apresenta

a capacidade de poder causar doença várias décadas após a

exposição, embora o mecanismo da sua persistência per-

maneça desconhecido [6].

Fora das regiões endémicas, a malária pode ocorrer em

viajantes que regressam desses locais [7]. Nas últimas dé-

cadas, o número crescente de viagens internacionais, tem

representado um fator determinante para o aumento do

nº de casos de malária importada [8]. Atualmente, esti-

ma-se que 80 a 90 milhões de pessoas viajem, por ano,

para países onde a malária é endémica, resultando em

30.000 casos de malária importada, por ano, em todo o

mundo [9].

Embora a OMS tenha declarado, em 1973, a erradicação

de malária autóctone em Portugal [10], esta continua a

ser importada de países africanos de língua oficial portu-

guesa (PALOP), nomeadamente Angola, Moçambique,

Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe [9]. Este aumento

terá surgido como consequência da crise financeira de

2008, que originou um aumento das migrações relacio-

nadas com o trabalho para as antigas colónias portuguesas

[12]. No entanto, os dados nacionais existentes sobre a

malária importada são escassos e, geralmente, baseados

em descrições de casos pontuais ou em séries de casos

diagnosticados em instituições hospitalares isoladas [9]

[10]. No Serviço de Urgência (SU) do nosso hospital –

Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN, E.P.E) – entre

2007 e 2016, foram diagnosticados 247 casos de malá-

ria importada [13]. Em 92,9% de amostras positivas foi

identificada a espécie

P. falciparum

, em 5%

P. vivax

, em

1,43%

P. ovale

, e em 0,71%

P. malariae

[13].

Deste modo, é necessário que a malária integre o con-

junto de diagnósticos diferenciais a considerar perante

doentes com febre provenientes de regiões endémicas.

Um diagnóstico correto e atempado é um pré-requisito

para uma atitude terapêutica adequada [14]. Porém, os

contadores hematológicos utilizados correntemente para

realização de hemograma, não foram especificamente

desenhados para identificar alterações associadas a malá-

ria [15]. Neste contexto, a observação, por microscopia

ótica, de esfregaço de sangue periférico (ESP), perma-

nece indispensável para o diagnóstico de malária na prá-

tica clínica diária. No entanto, a sua realização exige um

pedido explícito por parte do clínico e a sua observação

apresenta uma sensibilidade variável [16].

Descrição do caso

Uma mulher de 28 anos, residente em Angola recorreu

a assistência médica devido a um quadro clínico de fe-

bre, calafrios, mialgias, tosse, cefaleias e diarreia, sem

sangue ou muco. O hemograma revelou trombocitopé-

nia (131.000/mL), sem outras alterações.A pesquisa de

Plasmodium spp

no ​ESP foi negativa e a pesquisa de anticor-

pos anti-Dengue (IgM+IgG) também negativa. Assumiu

tratar-se de pneumonia adquirida na comunidade (PAC)

e medicada com ciprofloxacina

per os

. Dois dias depois,

a doente viajou para Portugal, onde recorreu ao serviço

de urgência (SU), devido a persistência dos

sintomas.Ao

exame objetivo, encontrava-se consciente, orientada no

espaço e no tempo e colaborante.Apresentava uma tem-

peratura timpânica de 38,1 ºC, tensão arterial (TA) de

125/87 mmHg, frequência cardíaca (FC) de 78 bpm e

a frequência respiratória (FR) de 20 ciclos por minuto.

A pele e as mucosas encontravam-se coradas e hidrata-

das. Não se observou lesões cutâneas; as esclerótidas não

apresentavam coloração ictérica; a orofaringe não revela-

va hiperémia.A auscultação cardíaca era rítmica, sem so-

pros audíveis. Na auscultação pulmonar, o murmúrio ve-

sicular encontrava-se mantido e simétrico, sem presença

de ruídos adventícios. O abdómen apresentava dor difusa

à palpação profunda, sem defesa e com ruídos hidroaé-

reos presentes, de timbre e frequência normais. O fíga-

do e o baço não eram palpáveis. Não existia edema nos

membros inferiores nem gânglios linfáticos palpáveis.

O hemograma realizado no SU (tab. 1) revelou agrava-

mento da trombocitopénia (47.000x10

6

/L). Relativa-

mente aos parâmetros de bioquímica (tab. 2), observava-

-se elevação das transaminases (ALT 124 U/L, AST 97

U/L), da GGT (165 U/L), da LDH (374 U/L) e da pro-

teína C reativa (2,66 g/dL). Foi realizado um ESP para

pesquisa de

Plasmodium spp

, que não foi detetado. Os an-

ticorpos anti-dengue (IgM+IgG) foram novamente nega-

tivos.A radiografia de tórax póstero-anterior não revelou

alterações. Foi assumido tratar-se de uma infeção viral, e

a doente teve alta hospitalar, com a adoção de medidas

sintomáticas.

Três dias depois, a doente regressou ao SU, devi-

do a persistência da febre (38,5ºC). O hemograma

identificou, entre os leucócitos, 8% de

large uns-

tained cells (LUC).

A doente mantinha trombocito-