90
História
Introdução
O Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT)
dedica-se no âmbito da sua missão à investigação de
doenças tropicais, infeciosas e parasitárias com especial
enfoque naquelas que subsistem nos países em desen-
volvimento.A tuberculose é uma doença infeciosa, cau-
sadora de uma elevada mortalidade em todo o mundo,
com impacto nos países em desenvolvimento.
O IHMT, ao longo dos 115 anos da sua existência, tem
estudado, investigado e incentivado o combate à doen-
ça.A 24 de março de 2017, para assinalar o Dia Mundial
da Tuberculose, o CGIC/Museu do IHMT inaugurou
a exposição “Tuberculose: a história e o património”,
revisitando o passado da tuberculose através da arqui-
tetura, da literatura, da arte e de outro património da
saúde.
Tuberculose: a história e o património
Na história da Humanidade são inúmeras as referências
à tuberculose. Após a descoberta do túmulo do faraó
Toutankhamon em 1922, peritos revelaram que este te-
ria falecido de tuberculose aos 19 anos. No início do sé-
culo XV, o português Valesco de Taranta (1382-1418),
professor em Montpellier, refere-se na obra “Philo-
nium…” (1418) à tuberculose como uma úlcera “pul-
monaris et comsuptio toti corpis”, dedicando a terceira
parte desta obra às doenças do peito e aconselhando o
seu tratamento com uma dieta adequada e uma “mezi-
nha” de múltiplos compostos vegetais.
Em 1481, a abadessa do Mosteiro de Jesus, em Avei-
ro, sofria de tuberculose e terá transmitido a doença à
Infanta Santa Joana (filha de D. Afonso V), que morreu
de tísica em 1490. Na época, o tratamento limitava-se
às sangrias, ventosas, sanguessugas, eméticos e purga-
tivos.
Girolamo Fracastoro, médico italiano (1478-1553),
menciona pela primeira vez em 1546 a possibilidade de
existirem germes de contágio, os
seminaria contagiosum
,
mas as precauções que se impunham foram contestadas
pelos médicos e pela sociedade.Amato Lusitano (1511-
1569), nas “Sete Centúrias”, possui várias referências às
diferentes manifestações de tuberculose como “febres
héticas”. Por treze vezes menciona a tosse com hemor-
ragias. Suspeita da sua contagiosidade. Prescreve suado-
res e banhos quentes, dieta fortificante e quartos bem
arejados, um primeiro passo no sentido de uma tera-
pêutica dietética e climática. Anos depois, Zacuto Lu-
sitano (1557-1642) reforçaria esse tratamento, quando
aconselha o consumo abundante de leite, nomeadamen-
te de burra, e a mudança para locais de ar fresco, como
a serra de Palmela, pois em Lisboa e nas localidades
populosas, de ar corrompido, verificava-se uma maior
incidência da doença
1
.
Os conhecimentos sobre a semiologia da doença per-
manecem em constante evolução reforçando-se a no-
ção de contágio através dos “infinitamente pequenos”.
Benjamim Marten (c.1690–1752) alertava-o, em 1720,
escrevendo sobre o
contagium vivum fluidum
, com o pe-
rigo de transmissão da doença entre duas pessoas que
conviviam e conversavam em proximidade.
Em 1779, Percival Pott (1714-1788), influente cirur-
gião inglês descreve pela primeira vez a tuberculose ós-
sea, vertebral – o mal de Pott.
Todavia, o conceito de doença hereditária ainda era o do-
minante e o tratamento da tuberculose pouco avançara,
consolidando-se porém a consciência dos benefícios so-
bre a necessidade de ar puro e fresco, conforme Fonse-
ca Henriques (1665-1731) e Jacob de Castro Sarmento
(1691-1731) o reiteraram e, particularmente, António
Ribeiro Sanches (1699-1783), no “Tratado da Conserva-
ção da Saúde dos Povos”, de 1756, todo ele em prol de
um ar saudável e da higienização dos aglomerados popu-
lacionais, para evitar os contágios e pestilências.
A tuberculose na literatura antiga
Na Europa do século XVIII, a mortalidade por tuber-
culose rondava os 300 a 400 mortos em cada ano, por
100.000 habitantes. A Revolução Industrial, no fim do
século XVIII, que levou ao incremento dos agregados
Fig.1 -
“Philonium…”, deValesco deTaranta. 1526.
(Biblioteca Histórica IHMT 0000511).
1- É curioso que, nas 3.ª e 4.ª décadas do século XX, o sangue de boi, o leite de
jumenta, o vinho e os agriões ainda estavam enraizados nas medicinas populares
portuguesas para o tratamento da tísica, das hemoptises e dos males do peito.