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A n a i s d o I HM T
tração de pessoas vivendo em situação de pobreza). É
nesse percurso que são traçadas discussões sobre cami-
nhos e práticas de atenção primária em saúde voltadas
para a tuberculose, elencando como um dos principais
focos a produção de cuidados em saúde no âmbito do
Tratamento diretamente observado – mais conhecido
por sua sigla em língua inglesa, o DOTS
(Directly Obser-
ved Treatment
Short
course)
.
Na proximidade estabelecida com práticas do cuidado
em saúde em torno do DOTS – em pessoas e territó-
rios vulnerabilizados– comparecem nas linhas da autora
as palavras e as coisas por que se faz a saúde e a doença
(diagnósticos, tratamentos, remédios, drogas, prontuá-
rios, cura, etc.), lado a lado com aquelas que desenham
vidas em sentido mais amplo (fome, valas, ruas, polí-
cia, amor, sexo, roupas, fugas, morte. etc.). O estudo
buscou, assim, trabalhar a produção de conhecimentos
em práticas de saúde para além dos ambientes formais
onde, como sabemos, os movimentos normativos de
categorização dos sujeitos, corpos e doenças, não raro
equivalem ao apagamentos de suas histórias e de seus
modos de levar a vida.
Esta sensibilidade crítica permite que o estudo desenhe
um terreno povoado por “gente”, pessoas cujas vidas
expõem as contradições e tensões que marcam as expe-
riências de ‘Ana’
1
, de ‘Paulos’ e ‘Helena’ e que seguem
os espaços prolixos do onde se dá o tratamento da tu-
berculose. O DOTS vai à casa de Ana no beco; procura
por Paulo em baixo do viaduto; inventaria os escolhos
percorridas por Helena – do ‘abandono’ do DOTS e
fuga da Rocinha, da intervenção de sua mãe ao fornecer
uma fotografia que auxilie em sua busca, até o encontro
na ‘cracolândia’ no subúrbio do Rio de Janeiro. A pro-
lixidade dos espaços e caminhos seguidos pelo DOTS
– entre consultórios, salas de raio x, becos e viadutos
– evidencia a complexa teia que liga os tuberculostáti-
cos, suas aspirações e desamparos e coloca a questão de
saber como os tratamentos são alterados e forjados em
novos termos nos espaços de vidas de pessoas vulnera-
bilizadas.
De outro modo, o estudo percorreu por caminhos que
incluíram práticas de saúde, controvérsias sobre medi-
camentos, diretrizes globais para as doenças negligen-
ciadas, série histórica da tuberculose, em especial as
taxas de incidência e abandono; protocolos clínicos e
gerenciais; entre outros dispositivos. Fica claro para a
autora que aquilo que estes elementos permitem falar
sobre os corpos e vidas de sujeitos concebidos como
portadores de uma doença denominada tuberculose,
significativo como é, carece de uma inscrição nos espa-
ços situados, nas subjectividades e nas formas de ação
(
agency
) que no meu entender, desenham aquilo que
são Arhur kleinman refere como “os mundos locais do
sofrimento” e as vidas que compõem “o fluxo da expe-
riência contra a dor e a tribulação” (Kleiman, 1992).
Ao buscar o sentido das práticas no terreno mostra de
forma convincente a potencialidade de relações e prá-
ticas muitas vezes pensados de forma apartada ou vistas
como contraditórias, gerando oposições como global
versus local (e.g. Latour, 1994), conhecimento formal
versus conhecimento baseado na experiêbia (e.g. Nu-
nes, 2014), normatividade/governamentalidades (Fou-
cault, 2010) versus as emancipações decoloniais (e.g.
Quijano 2010; Dussel 1994) ou as Epistemologias do
Sul (Santos, 2014); protocolos gerais versus práticas si-
tuadas (e.g. Mol, 2002). Esse processo significou:
“perceber realidades performadas, em que práticas de
saúde, num deslizar por diversos cenários, constante-
mente feitas e refeitas, repercutiram em dialogias, con-
flitos, curas, mortes, autonomias, recusas e adesões [a
tratamentos]”. Cada encontro é singular, assim como
são singulares as ativações sobre objetos, mesmo quan-
do pré formatados, pois estes só assumem significado
quando postos em relação, [em conexão]. O refina-
mento das práticas que podem trazer algum impacto
positivo sobre os sujeitos do cuidado, ainda que com
imensos constrangimentos estruturais como a pobreza,
está relacionado com possibilidades de negociações em
situações situadas” (p.334).
A autora não propõe com isso que práticas de saúde pos-
sam ser concebidas como uma solução mirífica aos pro-
blemas e desigualdades sociais, ao contrário, reconhece
os limites e possibilidades destas, reafirmando que estas
assumem efectivo sentido transformador quando postas
em relação seja com as referidas exclusões estruturais,
seja com os termos pelos quais os sujeitos vulnerabili-
zados operam face às precariedades da vida, conceben-
do saberes e organizando viveres na relação com os seus
corpos, doenças, saúde e tratamentos.
Práticas de saúde sobre pessoas em tratamento para a
tuberculose, vivendo em favelas altamente insalubres
ou em situação de rua, demandam abordagens proble-
matizadoras de contextos. Ciente disso, ancorada em
Biehl (2005), Roberta Gondim aborda a encruzilhada
entre a tecnologia e a gestão daquilo que denomina de
‘margens sociais’. As margens sociais referem-se a lu-
gares que se tornam depositários “de corpos que ali se
deixam morrer”, exprimem também de gradações de
1- Como refere a autora, todos estes sujeitos receberam nomes ficcionais em res-
peito às questões da ética em pesquisa envolvendo seres humanos. Em cumprimen-
to à legislação brasileira, que versa sobre a realização de pesquisas envolvendo seres
humanos, o presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comité de Ética em
Pesquisa, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswal-
do Cruz, membro do Comité Nacional de Ética em Pesquisa, sob número CAAE:
32249414.0.0000.5240.