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Artigo de Revisão

O trabalho de pesquisa, diligentemente levado a cabo

por Roberta Godim de Oliveira, no âmbito da sua tese

de doutoramento, procura reconhecer, problemati-

zando, tanto quadros de adoecimento como práticas e

intervenções de saúde enquanto processos eminente-

mente sociais. Num estudo empricamente situado em

dois territórios da cidade do Rio de Janeiro (Rocinha e

Manguinhos), através de uma atenção às implicações da

Tuberculose, a autora analisa populações marcadas por

situações de pobreza e vulnerabilidade. Longe de qual-

quer demarcação naturalizadora da exposição à doen-

ça, o trabalho evidencia a determinação social da saúde

como uma contingência sócio-histórica que produz e

guarda as fronteiras da desigualdade social. Uma tal

perspetiva, convida-nos a um diálogo em que se pulsam

limites e possibilidades da produção de conhecimento

no âmbito dos sistemas explicativos dominantes nas

ciências biomédicas.

Numa sensibilidade descritiva em que sobressai uma

atenção ao que há de político e de paradigmático-epis-

temológico na leitura interpretativa de histórias de vida

e encontros quotidianos, a autora analisa como são mo-

bilizadas diferentes perspetivas de saúde e adoecimento

nas diferentes abordagens, intervenções e espaços: “nas

ações do cuidado; nas pesquisas; nas arenas de formu-

lações de políticas públicas; nas práticas profissionais; e

em estratégias individuais e coletivas de sobrevivência

– imersas nos territórios onde se desenrolam os encon-

tros formais e informais da vida”(p.02).

Tendo por postulado a densa relação entre políticas

públicas, dinâmicas e percursos de vida, doenças e so-

frimento, a tese de Roberta Gondim incita a pontes

de diálogo na produção de conhecimentos em saúde,

convocando diferentes quadros de referência, a saber: o

paradigma biomédico; a determinação social da saúde;

os processos de vulnerabilização social; a subjetividade

reflexiva e as políticas do exercício do cuidado. Para

tanto, foram analisadas diversas instâncias de produção

de conhecimentos, diretrizes e práticas de saúde, como

as do campo da saúde global, das políticas nacionais no

contorno federativo do Estado brasileiro, e das práticas

locais direcionadas às doenças transmissíveis mais pre-

valentes.

O contexto de contradições marcado, por um lado,

pela extrema pobreza e por outro, pela ampliação do

acesso as ações de saúde, foi o ponto de partida para in-

dagações e análises acerca do quadro daTuberculose no

Brasil, especialmente nas formas de atuação da saúde

e de repercussões operadas sobre territórios e sujeitos

em seus modos de viver.

O perfil atual da tuberculose, por ser uma doença evitá-

vel e curável, marcadamente localizada em populações

vulnerabilizadas, pode ser apreendido por referência

à longa duração das relações coloniais e às hierarquias

que aí se perpetuam, tema transversalmente discu-

tido ao longo da tese como elemento significativo na

determinação social da saúde. O estudo abarcou algu-

mas dimensões do processo ‘saúde-doença-território’,

usando para isso perspetivas clínicas, epidemiológicas,

territoriais e políticas. É nesta relação de tradução que

a autora aposta na proposta de um diálogo, que se quis

plausível e denso, entre aportes teórico-conceituais e as

inferências recolhidas nas vivências do terreno.

As questões que orientam esta tese, portanto, inscre-

vem-se na processualidade da pesquisa enquanto cami-

nhada. Nesse sentido, o terreno assume-se como um

espaço de produção reflexiva continuadamente instau-

rado num diálogo problematizador entre os marcos

conceituais e o que a investigadora foi vivenciando e re-

gistando. Deste modo, os dados recolhidos em campo

consagram o terreno, não como mero lugar de com-

provação de hipóteses, mas como lugar de busca de um

alargamento dos saberes acerca da produção de conhe-

cimentos e práticas de saúde.

No capítulo intitulado “Em trilhas traçadas por negli-

gências e vulnerabilidades – os caminhos da tubercu-

lose nos percursos da pesquisa”, são apresentadas as

escolhas e os caminhos percorridos pelo estudo, que

diversamente trata:

(1)

do mapeamento e dimensionamento da tuber-

culose como problema global/nacional/local;

(2)

das políticas globais para doenças infecciosas

consideradas como negligenciadas - que são aquelas

responsáveis por uma alta carga de doenças no mundo,

mas que proporcionalmente ainda recebem baixos in-

vestimentos em pesquisa, desenvolvimento e produção

de insumos e serviços;

(3)

das inscrições políticas, institucionais e terri-

toriais – os atores, as agendas e os dispositivos sobre

pobreza, vulnerabilidade e Tuberculose no Brasil

,

onde

é realizado um exercício analítico sobre uma gama am-

pliada de inscrições e normativas, agendas e dispositivos

(como, por exemplo, o Programa Nacional de Comba-

te àTuberculose, a Política Nacional de Atenção Básica,

responsável pela maior parte das ações desse programa

e das percepções de atores chave presentes nas arenas

técnico-políticas).

(4)

dos dispositivos de atenção à saúde nos quais a

atenção à tuberculose toma corpo: a Estratégia Saúde

da Família (ESF) e o Consultório na Rua (Cnar);

(5)

dos territórios da Rocinha e os grupamentos

de pessoas em situação de rua em Manguinhos e ad-

jacências (como resultado da etapa de mapeamento, a

nível local, o estudo apontou para dois territórios com

alta incidência da doença, onde há considerável concen-